terça-feira, 6 de julho de 2010

Autor do Livro: Jornalista Ivo Patarra
CAPÍTULO 6 CONTINUAÇÃO (Parte 25)

concessão, instrumento que permitiu o funcionamento do Fiorella, outros dois restaurantes e seis lanchonetes nas dependências do Congresso.
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6/9/2005 A CPI dos Correios conclui análise de documentos provenientes da quebra dos sigilos telefônicos de duas estrelas do escândalo do mensalão. Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, fez 121 telefonemas para o Palácio do Planalto, sede do Governo Federal, em 2003 e 2004. Do total, 59 foram para o Ministério da Casa Civil, sob comando de José
Dirceu, inclusive para Waldomiro Diniz, no período que antecedeu o seu afastamento.
As empresas de Marcos Valério, por sua vez, fizeram 129 ligações para a Presidência da República, no período em que a DNA e a SMPB disputavam licitações pertinentes a contratos publicitários com o Banco do Brasil, no valor de R$ 111 milhões, e com os Correios, no total de R$ 23 milhões. Foi entre agosto e dezembro de 2003. Do total de 268 chamadas das empresas de Marcos Valério sob suspeita, a grande maioria foi para a Secom, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, sob comando do ministro Luiz Gushiken (PTSP).
O mesmo Luiz Gushiken que sempre negou qualquer interferência em contratos de publicidade de empresas estatais.
Em depoimento à Polícia Federal, Marcos Valério reafirma ter repassado R$ 15,5 milhões para Duda Mendonça, o marqueteiro de Lula, atendendo a pedido de Delúbio Soares.

Mas nega ter depositado o dinheiro no exterior e refuta a acusação de que orientou Duda Mendonça a abrir conta fora do País, como condição para receber o pagamento por serviços  prestados ao PT.

Segundo Marcos Valério, o dinheiro fazia parte do caixa 2 do PT e as parcelas eram sacadas por Zilmar Fernandes da Silveira. A sócia de Duda fazia as retiradas em agência do Banco Rural, em São Paulo. Ela teria sido assaltada e, a partir daí, solicitou que os cheques fossem entregues ao doleiro Jader Kalid, em Belo Horizonte. Diz Marcos Valério:

- Zilmar falou que Jader seria seu consultor financeiro e ficaria encarregado de descontar os cheques emitidos para pagar Duda.
Explicação de Marcos Valério:
- A Zilmar afirmou que não poderia contabilizar os recebimentos, motivo pelo qual solicitou que os cheques fossem nominais à SMPB.
No depoimento, Valério cita o deputado José Janene (PP-PR), integrante da base aliada do governo Lula e suspeito de ser um dos operadores do mensalão. Segundo Valério, Janene foi o responsável pela indicação da corretora Bônus-Banval para intermediar pagamentos de dinheiro.
Por meio da corretora, R$ 10 milhões foram repassados para PP, PL e PT, da seguinte forma: R$ 900 mil para o PL, R$ 1,2 milhão para o PP e R$ 7,9 milhões para o PT.
Em outro depoimento à Polícia Federal, o deputado José Mentor (PT-SP) tenta justificar o recebimento de R$ 120 mil de Marcos Valério. Alega que o dinheiro foi pagamento por “estudos jurídicos” feitos por seu escritório de advocacia, a pedido de empresas de Valério.
José Mentor não apresenta documentos. Diz que o contrato foi verbal e que os tais estudos jurídicos não podem ser revelados, “por questões de sigilo profissional”. A suspeita: José Mentor recebeu propina para favorecer o Banco Rural, ligado a Marcos Valério, durante a CPI do Banestado.
Também depõe à Polícia Federal Izeílton Carvalho de Souza, ex-gerente do restaurante Fiorella. Ele confirma: o presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PPPE), recebeu propina de R$ 10 mil mensais em 2003, para que as portas do restaurante ficassem abertas. O dinheiro era entregue em envelopes ou em cheques. O pagamento ficou a cargo da diretora do restaurante, Gisele Buani, filha do dono, Sebastião Buani.
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7/9/2005 Em Nova York, em viagem oficial para representar o Brasil em evento da União Interparlamentar, o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) está transtornado. Nas entrevistas concedidas, dá versões divergentes para tentar explicar o caso do mensalinho. Na primeira manifestação, pela manhã, nega a existência da propina. Mas faz uma ressalva:

- Eu não assinei esse contrato. E, se assinei, é um contrato normal, que deve estar junto com toda a documentação.

Minutos depois, se diz reticente:

- Tenho de ver o original. O ônus da prova cabe a quem denuncia.

No período da tarde, Severino volta a ser questionado. E volta a dizer que o contrato não existiu.

- Aquele documento não existe. Mas, se existe, é uma falsidade. Documento como aquele eu não assinei. Só pode ser um documento falso.
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8/9/2005 O empresário Sebastião Buani concede entrevista coletiva. Ao lado de 50 funcionários e da mulher, Diana, revela os detalhes do escândalo do mensalinho de Severino Cavalcanti. Informa que entregou R$ 110 mil de propina ao deputado em 2002 e 2003, em troca de autorização para operar restaurantes e lanchonetes no Congresso. Tudo começou ao pedir ajuda ao deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE) a fim de prorrogar contrato de funcionamento do Fiorella. Na época, Severino era o primeiro-secretário da Câmara. A conversa ocorreu nos corredores do Congresso:
- Comentei com ele: “Estou com um pedido lá na mesa do primeiro-secretário e o senhor, que é amigo dele, poderia ver se pode dar uma decisão final, ou pode ou não pode, ou é lei ou não é”. Pouco tempo depois, recebi um telefonema para comparecer ao gabinete de apoio do primeiro-secretário. Na conversa, o primeiro-secretário me disse: “Você sabe, eu sou um homem que não tenho empresas, e neste ano de eleição a gente precisa de uma ajuda”.
Severino Cavalcanti pediu R$ 60 mil para renovar o contrato. Sebastião Buani recusou.
Severino propôs R$ 50 mil. Nova recusa e o valor acabou fixado em R$ 40 mil, metade para Severino e metade para Gonzaga Patriota. O dinheiro foi pago, o empresário recebeu em abril um termo assinado por Severino, prorrogando a concessão por cinco anos.
Em outubro de 2002, porém, surgiu um problema. Sebastião Buani recebeu correspondência da direção da Câmara dos Deputados perguntando se ele tinha interesse em renovar a concessão, em caráter de emergência, por mais um ano. O empresário se sentiu enganado por Severino Cavalcanti. Concluiu que o documento assinado pelo deputado, colocado dentro de um processo administrativo, não tinha validade. Diz Sebastião Buani:
- Esse documento foi colocado dentro do processo e foi me dada uma cópia do processo com essa via dentro. Não existe isso de “não vi o documento”, “não existe documento”.
Mas quando a gente abriu o processo, no lugar daquele papel prorrogando o contrato, havia outro do próprio Severino, dizendo que indeferia o processo por isso e aquilo. Pensei, então, “não estou acreditando”, “fui enganado de uma forma... como eu caí numa dessa?” Dinheiro ganho suado, com dificuldade, por documento que não valia nada?
Inconformado, o empresário procurou Severino Cavalcanti para reclamar. Recebeu garantias de que não haveria problemas:
- Fui direto ao Severino e ele me disse:
“Não se preocupe, enquanto eu estiver na Mesa Diretora você estará na Casa”.
Sebastião Buani achou que estava tudo resolvido. Em janeiro de 2003, no entanto, Severino Cavalcanti o procurou novamente para dizer que seria assinado um contrato emergencial, com a prorrogação do contrato por um ano. De fato, a prorrogação de cinco anos, assinada anteriormente pelo deputado, não valia nada. Severino Cavalcanti disse:
- Quero que você ganhe muito dinheiro, porque você merece.
Foi aí que surgiu o acerto do mensalinho. Sebastião Buani já havia recebido autorização para aumentar em quase 40% o valor das refeições. Severino Cavalcanti pediu R$ 20 mil mensais para prorrogar o contrato. O empresário reclamou. A conversa teria demorado quatro horas:
- Ele bateu o pé, mas depois de muita negociação ficou por R$ 10 mil.
O mensalinho foi pago de fevereiro a agosto de 2003.
- O dinheiro era entregue em envelopes pardos, nós saíamos pelos corredores com o dinheiro nas mãos, eu e ele andando pelos corredores.

Sebastião Buani diz que resolveu interromper o pagamento da propina atendendo ao pedido da filha, Gisele, diretora da empresa.

- Um dia minha filha me viu contando dinheiro numa quarta-feira para pagar a propina, e disse: “Pai, sai dessa vida porque a gente não precisa disso. O senhor está deixando de pagar funcionários que moram longe e ganham pouco para pagar propina”.

Suspenso o mensalinho, vieram os problemas. Sebastião Buani foi perdendo, uma a uma, as concessões para operar restaurantes e lanchonetes na Câmara. Só restou o restaurante Fiorella, agora com os dias contados.

Ainda em Nova York, Severino Cavalcanti reage à entrevista de Buani:

- É mentira, é mentira, é mentira.

Anunciada a demissão de Maurício Marinho, o funcionário dos Correios que foi pivô do escândalo do mensalão. Mas o homem filmado ao receber propina de R$ 3 mil continuará recebendo salário, de R$ 10 mil mensais, enquanto estiver em licença médica, cuja prorrogação pode se estender por nove meses.
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10/9/2005 A revista Isto É denuncia que parte do dinheiro pago pelo PT ao publicitário Duda Mendonça veio de recursos públicos da Prefeitura de Belo Horizonte. Duda trabalhou na campanha de reeleição do prefeito da capital mineira, Fernando Pimentel (PT), em 2004.
Segundo o repórter Amaury Ribeiro Jr., convênio de R$ 14 milhões foi assinado entre a municipalidade e o CDL (Clube dos Diretores Lojistas de Belo Horizonte) para comprar e instalar cerca de 300 câmeras de segurança e filmar as ruas centrais da cidade.
O convênio recebeu a chancela do prefeito Fernando Pimentel e do empresário Glauco Diniz Duarte, diretor do CDL e dono da GD International, empresa que teria transferido o equivalente a R$ 2 milhões dos recursos municipais a uma conta do banco BAC Flórida. De lá, o montante teria sido encaminhado para a conta Dusseldorf, de Duda Mendonça, no BankBoston das Bahamas. O Ministério Público investiga as suspeitas de fraude, contrabando, superfaturamento e participação de empresas fantasmas.
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11/9/2005 O ministro Jaques Wagner (PT-BA), das Relações Institucionais, reúne-se reservadamente com Severino Cavalcanti (PP-PE). O encontro ocorre na residência oficial do presidente da Câmara, antes de uma entrevista que seria concedida por Severino. Durante o encontro, Jaques Wagner pede-lhe que tenha cautela nas declarações aos jornalistas.
Quer evitar desmentidos posteriores. O governo Lula continua dando respaldo a Severino. Do ministro:
- O governo decidiu que não vai fazer prejulgamento e vai esperar a apuração da denúncia.
Trecho da entrevista de Severino Cavalcanti:

- O governo tem certeza absoluta de que não estou dentro desse enlameado que tentaram lançar em meu nome.

Reação do empresário Sebastião Buani, ao dizer que até pouco tempo atrás era bemvindo no gabinete de Severino Cavalcanti:
- Ele não falou da ligação que tinha comigo, por que ia lá no restaurante, o tanto que me ligava. Se quebrarem o sigilo telefônico, vão estranhar por que um primeiro-secretário liga tanto para um concessionário.
A CPI dos Correios divulga levantamento parcial obtido com a quebra de sigilos telefônicos de 2003 a 2005. Os dados apontam três deputados envolvidos no escândalo do mensalão, trocando telefonemas com a SMPB, a agência de Marcos Valério usada para repassar dinheiro de caixa 2.
São eles: Professor Luizinho (PT-SP), com 13 ligações telefônicas, inclusive no dia 23 de dezembro de 2003, data do saque de R$ 20 mil atribuído a ele, na agência da avenida Paulista do Banco Rural, em São Paulo. Sandro Mabel (PL-GO) manteve nove conversas telefônicas. Ele é acusado de ter oferecido dinheiro para a deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) mudar de partido. E José Janene (PP-PR) teria usado telefone celular para conversar com Valério.
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12/9/2005 Renuncia o deputado Carlos Rodrigues (PL-RJ). Ele abre mão do mandato para evitar processo de cassação e eventual inelegibilidade. É acusado de ter recebido R$ 400 mil do valerioduto. Nega. Diz ter sacado R$ 250 mil, apenas para quitar dívidas referentes ao segundo turno da campanha que elegeu Lula em 2002. Na época, Carlos Rodrigues era presidente do PL no Rio. Ele faz referência ao presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto (SP), que também renunciara:
- Fui chamado pelo Valdemar para apoiar o presidente Lula. Apoiei, fiz dívida do partido, e o Valdemar mandou eu receber o dinheiro em dezembro de 2003.
Depois de almoçar com Lula, o ministro Jaques Wagner (PT-BA) desmente boatos de que o governo iria pedir ao PT e ao aliado PSB para não assinarem representação contra o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE):

- Não vou pedir. A decisão cabe a cada presidente de partido.
No período da tarde, o líder do PT, deputado Henrique Fontana (RS), que já anunciara a decisão de assinar representação contra Severino, tem encontro com Jaques Wagner e o líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). Henrique Fontana volta atrás. Diz o ministro Wagner:
 Prevaleceu o bom senso.
O deputado José Janene (PP-PR) não usa meias palavras:
- Severino tem o apoio integral, solidário e irrestrito da bancada do PP.

O empresário Sebastião Buani entrega à Polícia Federal extrato de sua conta bancária.
Mostra um saque de R$ 40 mil, efetuado em 4 de abril de 2002. O dinheiro teria sido usado para pagar propina ao deputado Severino Cavalcanti. A retirada foi no mesmo dia em que Severino assinou documento com autorização para o funcionamento do restaurante Fiorella.
Em depoimento à Polícia Federal, três empregados do Fiorella confirmam que levaram dinheiro para as secretárias de Severino, a pedido de Sebastião Buani. O maître José Ribamar da Silva fez duas entregas. Ele cita a filha do empresário, Gisele Buani:
- Levei pacotes com dinheiro para a secretária. Não sabia quanto, porque estava lacrado, mas Gisele pedia para ter cuidado porque continha dinheiro.
O garçom Hélio Antônio da Silva levou três “encomendas”:

- Não posso dizer que era para Severino, mas a recomendação foi que eu entregasse na primeira-secretaria.
O garçom Rosenildo Francisco Soares fez o serviço uma vez:
- Sabia que era dinheiro, mas para que, eu não sabia.
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13/9/2005 O publicitário Duda Mendonça anuncia o pagamento de R$ 4,3 milhões para regularizar a situação dele junto à Receita Federal. A quantia seria o total de tributos sonegados pela Dusseldorf, a empresa offshore aberta pelo marqueteiro de Lula no paraíso fiscal das Bahamas. Com o envio da declaração retificadora do Imposto de Renda, o publicitário pretende impedir eventual condenação por crime de sonegação fiscal.

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