sábado, 3 de julho de 2010

Autor do Livro: Jornalista Ivo Patarra
CAPÍTULO 6 CONTINUAÇÃO (Parte 22)


- Depois, Delúbio nos apresentou Valério e passamos a tratar com ele.

Das cinco parcelas de R$ 4 milhões, só uma teria sido paga. Veio em duas etapas, em   dinheiro vivo, no início de julho de 2004. Uma de R$ 2,2 milhões, outra de R$ 1,8 milhão.
Palmieri foi encarregado por Roberto Jefferson de dividir o dinheiro em “bolos” de R$ 150 mil e R$ 200 mil. Do tesoureiro:

- Não coube tudo no cofre do partido, passei uma parte para um armário ao lado. Entreguei  a chave ao deputado Roberto Jefferson e ele me pediu sigilo. Poucos dias depois, disse a ele que deveríamos providenciar um segurança para tomar conta daquela dinheirama. Ele me respondeu: “O dinheiro já não está mais aqui no PTB”. Não sei para onde ele levou.
Acho que Jefferson não distribuiu o dinheiro.

Jacinto Lamas, o ex-tesoureiro do PL, também depõe na CPI do Mensalão. Afirma ter ido buscar, por determinação do ex-deputado Valdemar Costa Neto (PL-SP), “pacotes”, “envelopes” e “encomendas”, sempre em dinheiro vivo, na sede da SMPB em Belo Horizonte, e na agência do Banco Rural no Brasília Shopping. Confessa também o recebimento em hotéis. Neste caso, Simone Vasconcelos, diretora da SMPB, entregava o dinheiro.

- Era sempre um acerto entre o Valdemar e o Delúbio.
Dia 96
17/8/2005 Preso o advogado Rogério Buratti, ex-secretário de Antonio Palocci (PT-SP) na Prefeitura de Ribeirão Preto (SP). Acusado de tentar destruir contratos de venda de imóveis e cheques, documentos que o incriminariam em negócios suspeitos, Rogério Buratti é denunciado pelo Ministério Público por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, num esquema de compra e venda de fazendas e de duas empresas de ônibus. Preso também o corretor de imóveis Claudinet Mauad, envolvido nas transações de Rogério Buratti.

Investigações sustentam que Rogério Buratti comprou três fazendas nos últimos dois anos. Por uma propriedade em Ituverava (SP), pagou R$ 280 mil. Em seguida, trocou-a por terras em Pedregulho (SP), que custaram R$ 600 mil. Em novo negócio, vendeu a fazenda de Pedregulho e comprou uma outra em Buritizeiro (MG), por R$ 1,2 milhão. Mais recentemente, teria se desfeito da última propriedade, e comprado duas empresas de ônibus por R$ 2,6 milhões, nas cidades de Rancharia (SP) e Presidente Venceslau (SP).

Para o Ministério Público, os negócios evidenciam operações de lavagem de dinheiro.
Teriam sido firmados por meio de contratos de gaveta. As empresas de ônibus estariam em nome de terceiros. Interceptação telefônica autorizada pela Justiça indicaria que Buratti já comprara nova fazenda, em Catalão (GO).

Em 1992, Rogério Buratti chegou a Ribeirão Preto para coordenar a campanha vitoriosa do então candidato a prefeito, vereador Antonio Palocci. Chegou sem nada, dirigindo um fusca. O petista Palocci governou Ribeirão Preto de 1993 a 1996. Em 2000, foi eleito prefeito pela segunda vez. Em 2005, o patrimônio de Buratti ultrapassaria R$ 3 milhões.
Ele acabou afastado da Prefeitura de Ribeirão por se meter com uma empreiteira. Veio a público a gravação de uma conversa suspeita entre Buratti e um empresário. Em seguida, Buratti trabalhou como assessor da Prefeitura de Matão (SP), na época também sob comando do PT.
De lá foi para a empreiteira Leão Leão, que havia sido a principal doadora da segunda campanha de Antonio Palocci a prefeito de Ribeirão. Buratti tinha o cargo de vice-presidente da Leão Leão em 2004, quando foi forçado a sair da empreiteira. Palocci era ministro da Fazenda de Lula e Buratti estava metido em novo escândalo, o da suposta extorsão de dinheiro da multinacional Gtech. A empresa norte-americana queria renovar um contrato com a Caixa Econômica Federal, subordinada justamente ao Ministério da Fazenda.

Waldomiro Diniz também teria participado da operação.

Buratti é indiciado por suspeita de envolvimento em esquema de fraude em licitações e contratos irregulares de limpeza pública em Ribeirão e outras nove cidades de São Paulo e Minas Gerais, em benefício da Leão Leão. Palocci não comenta a prisão. Buratti fecha acordo com o Ministério Público. Iria colaborar com a Justiça nas investigações, em troca de redução da pena.
Dia 97
18/8/2005 Em depoimento à CPI do Mensalão, Delúbio Soares sai-se com evasivas. Além da sucessão de negativas, o ex-tesoureiro do PT não se lembra de mais nada. E os empréstimos de Marcos Valério ao partido? “Tem que verificar se foram R$ 55 milhões, R$ 56 milhões, R$ 58 milhões”. Do dinheiro repassado ao publicitário Duda Mendonça, “não sei se são R$ 12 milhões, R$ 16 milhões, R$ 17 milhões”. Sobre a grana que o PT ficou de dar ao PL pelo apoio em 2002, “algo em torno de R$ 9 milhões a R$ 10 milhões”.
De acordo com Delúbio Soares, ele “não tinha nenhum tipo de controle sobre quanto foi pago, e a quem”. Também nega a existência de documentação sobre empréstimos feitos por Marcos Valério:
- Não fizemos contabilidade nenhuma. Eu falava com o Marcos Valério, ele fazia o empréstimo. Não temos nem contabilidade de caderneta.
Delúbio Soares tem precisão cirúrgica, no entanto, quando interessa:

- O PT nunca comprou voto, nunca comprou deputados, nunca comprou votação.

O deputado Virgílio Guimarães (PT-MG) introduziu Marcos Valério:

- Quando o Virgílio me apresentou ao Marcos Valério, disse que ele tinha experiência em campanhas. Ao falar de experiência, quero dizer alguém que sabe trabalhar com recursos, que não faz mutreta.

Dos repasses de dinheiro do PT a partidos aliados:
- Parte do dinheiro era para resolver débitos de 2002. Uma parte para planejar, em 2003, as campanhas eleitorais de 2004. E uma parte para a eleição de 2004. Sei que foi uma ilegalidade. Pagar dívida de outro partido com dinheiro não-contabilizado é proibido pela lei eleitoral.
Apesar de se definir como “pessoa fiel”, incapaz de delatar as pessoas, enumera parceiros com quem manteve negociações:
- No PMDB, rachado em relação ao apoio ao governo, o contato era feito com o deputado José Borba. No PTB, o contato inicial foi com o ex-presidente José Carlos Martinez e, depois da sua morte, com o deputado Roberto Jefferson. No PL, as conversas eram com o presidente, Valdemar Costa Neto. No PP, com o deputado José Janene.
O tesoureiro lista os diretórios do PT que receberam recursos de caixa 2. Cita São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal.

- Pedi para o Marcos Valério resolver com esses Estados.

Delúbio se atrapalha ao ser inquirido pelo deputado Júlio Redecker (PSDB-RS). O deputado  procura esclarecer a transferência de R$ 457 mil do valerioduto para Márcio Lacerda, ex-secretário executivo do ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes (PSB-CE). O dinheiro teria sido usado para quitar dívida com a agência New Trade, do publicitário Einhart Jacome Paz. Depois de trabalhar para Ciro no primeiro turno de 2002, o publicitário prestou serviços à campanha de Lula no segundo turno. O diálogo é tenso:

- O dinheiro foi enviado para Ciro Gomes?
- Sim.
- Pagou despesas de campanha de Ciro ou de Lula?
- De Ciro.

- Mas Ciro disse que foi serviço prestado pelo marqueteiro dele no segundo turno à campanha de Lula.

- Não foi. O dinheiro pagou serviços prestados pelo Einhart à campanha de Ciro no segundo turno.
- Mas Ciro não foi candidato no segundo turno. Ele apoiou a candidatura de Lula.
- O Einhart trabalhou com o Duda Mendonça. Eles filmaram o Ciro para o programa de Lula no segundo turno, o dinheiro pagou despesas que o Ciro teve no segundo turno.

- Então o dinheiro de Valério, de caixa 2, pagou despesas de campanha de Lula no segundo turno.
Delúbio silencia.
Dia 98
19/8/2005 Em depoimento na Delegacia Seccional da Polícia Civil de Ribeirão Preto (SP), Rogério Buratti admite esquema irregular de financiamento da campanha de Lula em 2002, com dinheiro de caixa 2 de casas de bingo de São Paulo e do Rio de Janeiro. A operação rendeu R$ 2 milhões à campanha, o que lhe foi confidenciado por Ralf Barquete, secretário da Fazenda do então prefeito de Ribeirão Preto, Antonio Palocci (PT). Para lembrar: o prefeito Palocci virou coordenador de campanha de Lula em 2002, substituindo o prefeito petista Celso Daniel, de Santo André (SP), assassinado. Ralf Barquete também morreu, vítima de câncer.
Rogério Buratti relata que as casas de bingo tinham interesse na regularização do jogo no Brasil. A Medida Provisória que regulamentava a atividade, elaborada a pedido do ministro José Dirceu (PT-SP), foi abandonada depois de divulgada a gravação em que Waldomiro Diniz aparecia pedindo propina ao empresário de jogo “Carlinhos Cachoeira”. De Buratti aos seis promotores do Ministério Público que tomaram o depoimento:
- Em relação à exploração dos bingos no País, tenho conhecimento de que houve duas contribuições em 2002 para a campanha do presidente Lula, que foram efetivadas por dois grupos. Um do Rio, cujo nome desconheço, outro de São Paulo. O grupo de São Paulo ofereceu R$ 1 milhão. Não sei o montante oferecido pelo grupo do Rio. Acredito que seja em torno de R$ 1 milhão ou mais. A contribuição foi encaminhada diretamente ao comitê financeiro da campanha, na sede nacional do PT. O comitê era coordenado por Delúbio Soares, ele tinha conhecimento. O interesse dessas contribuições era a regulamentação do jogo de bingo no Brasil, o que não aconteceu.
O economista César Queiroz Benjamim, fundador do PT. Em entrevista ao repórter Wilson Tosta, do jornal O Estado de S. Paulo, ele afirma que tomou conhecimento de financiamentos irregulares de bancos e empreiteiras ao PT, durante a campanha presidencial de 1994.
O dinheiro beneficiava o candidato Lula, derrotado por Fernando Henrique Cardoso (PSDBSP).
Na época, César Queiroz Benjamin fazia parte da coordenação da campanha do PT: 
- Tentei discutir na direção nacional, não houve possibilidade, e resolvi levar ao encontro nacional do PT de 1995, que era o primeiro na sequência da eleição. E aí ficou claro para mim que já estava havendo no PT o início do esquema que agora vem à luz, inclusive com os mesmos personagens. Eu tive a percepção de que isso continha um perigo extraordinário, que era a entrada no PT, pesadamente, de esquemas de financiamento que teriam um impacto grande na vida interna do partido. O Dirceu foi eleito para a presidência, esse grupo que agora está nas manchetes assume cargos-chave, e fica claro que o PT tinha tido uma inflexão para pior. A direção passava a gerenciar interesses.

Segundo César Queiroz Benjamin, o processo de corrupção no PT talvez tenha começado antes, com esquemas de financiamento montados por Delúbio Soares. O tesoureiro petista representara a CUT (Central Única dos Trabalhadores, ligada ao PT) no FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador):

- Até essa época, a Articulação, que é o grupo do Lula e do Dirceu, ainda disputava a hegemonia no PT, cabeça com cabeça. A minha interpretação é a de que esse grupo usou esquemas de financiamento heterodoxos para fortalecer a Articulação. Porque o FAT faz convênios com sindicatos.

E assim fortaleceu as finanças da Articulação, que passa a manejar poder financeiro que é uma arma nova na luta. Passa a ter capacidade de financiar candidaturas, trazer pessoas, estabelecer pontes. Delúbio se tornou figura paradigmática. Foi tesoureiro da CUT, foi para o PT como tesoureiro. E esse grupo começa a ser conhecido como “os operadores”.

Para César Benjamin, Lula “dissolveu por dentro os valores da esquerda”:

- O Lula garante que foi traído, que não sabia. Mas eu não acredito nisso. Foram práticas sistemáticas durante mais de dez anos, do grupo que era mais próximo dele. Parece completamente inverossímil que ele fosse o único a não saber. Eu, que já estava fora do PT, sabia.
Como o Lula poderia não saber?
- O grande legado do Lula é essa disseminação do antivalor. O valor da esperteza, o valor de se dar bem, de não estudar, ter orgulho de não estudar... Eu diria que o Lula sempre foi um grande guarda-chuva para os oportunistas no PT. Uma coisa é o partido ter um líder que é honesto, honrado. Então, quem quer ser picareta fica meio acuado. Pode até querer ser picareta, mas não é a regra. Outra coisa é você estar num ambiente em que veio de cima o exemplo.

Então, sob a liderança do Lula, eu diria que se formou a pior geração de militantes da esquerda brasileira de toda a sua história: pragmática, oportunista, individualista, carreirista.

Dia 99
20/8/2005 A revista Veja obtém informações exclusivas do doleiro Antonio Oliveira Claramunt, o “Toninho da Barcelona”. Ele responde a uma lista de 20 perguntas do repórter Policarpo Junior. Relata o envolvimento do PT com o mundo das remessas de divisas para o exterior, as trocas de dólares por reais e outras transgressões. Fala de uma conta clandestina do PT operada pelo Trade Link Bank, uma offshore ligada ao Banco Rural, nas Ilhas Cayman.

O esquema funcionava para o PT sacar dinheiro do exterior e usá-lo no Brasil. Segundo Toninho da Barcelona, a operação era conduzida por Dario Messer, um doleiro do Rio. O Trade Link remetia o dinheiro para a offshore de Dario Messer, no Panamá. Ao mesmo tempo, uma quantia correspondente era liberada, em reais, no Banco Rural, em Belo Horizonte. Do repórter:
“O esquema é uma forte evidência de que os R$ 28 milhões que Valério diz ter obtido na forma de dois empréstimos junto ao Banco Rural sejam simplesmente recursos internados pelo PT a partir de sua conta clandestina no exterior.”

Conforme a reportagem, “os cofres do PT viviam abarrotados de dólares. Em 2002, no auge da campanha presidencial, a casa de câmbio do doleiro Antonio Oliveira Claramunt, a Barcelona, chegou a fazer trocas de moeda em ritmo quase diário”. A revista implica o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), há 30 anos amigo de Lula:
“As trocas de dólares por reais, que se materializavam no gabinete do então vereador e hoje deputado Devanir Ribeiro, integram outro braço do esquema petista. Neste caso, o partido mantinha volumes consideráveis de dólares em dinheiro vivo, escondido em cofres ou malas ou cuecas, e acionava a casa de câmbio quando precisava convertê-los em reais.
Em geral, quem ligava para a casa de câmbio Barcelona era o assessor legislativo da Câmara dos Vereadores, Marcos Lustosa Ribeiro – que vem a ser filho do deputado Devanir Ribeiro. No telefonema, Marcão, como é conhecido, perguntava a cotação de venda e informava quanto queria trocar. No início de 2002, as trocas eram esporádicas e ocorriam a cada dez ou 15 dias. No meio do ano alcançaram ritmo alucinado. ‘Com a aproximação das eleições tornaram-se quase diárias’, lembra o doleiro.”

O repórter entrevista Marcelo Viana, responsável pelas operações de balcão da Barcelona na época. As trocas de dólares por reais chegaram à casa dos R$ 500 mil semanais.

Dependendo do volume, as somas eram entregues em sacolas ou envelopes, no gabinete do vereador Devanir Ribeiro. Diz Viana:
- Mas também já levei dinheiro preso às meias e debaixo da roupa.

Marcos Lustosa, o filho de Devanir, não nega. Ressalva, para livrar o pai:

- Não era dinheiro de política, meu pai não tinha nada a ver com isso. Era dinheiro que eu ganhava com serviços de informática que fazia na Câmara, e trocava por dólar. Coisa pequena, para meu uso mesmo.
O pai, convenientemente, esconde-se atrás do filho:
- Se o Marcos trocou dinheiro com Toninho da Barcelona, o problema é dele. O Marcos é maior de idade, casado, vacinado e cuida da vida dele.
Outro esquema relatado por Toninho da Barcelona funcionou em Santo André (SP), durante a administração do prefeito Celso Daniel (PT). Movimentou dinheiro a ponto de a

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