Espero que gostem e divulguem, é nossa história.
Angela
Mais uma vez estou enviando estas "Impressões Amazônicas" do meu amigo médico carioca Altamiro que vive lá com os Índios muita parte do ano.
Ambrogio
Amigos,
Inicio
as Impressões com a notícia que mais uma vez as Impressões Amazônicas saíram por
aí e romperam o espaço virtual do blog. Algumas fotos e um texto saíram na
Revista Índio, sobre a questão indígena e que sempre recomendo. A versão
integral está disponível em http://revistaindio.wordpress.com
.
Divulguem.
Depois recomendo o site do meu velho amigo de infância Henrique
Manreza, que conheci em janeiro e que largou a selva paulista e o trabalho como
fotojornalista para fotografar a felicidade na Amazônia – http://www.manreza.com.br/ser
E se
as fotos não aparecerem, chequem em http://wp.me/PddFM-1n9
Abraços
a todos, Altamiro
A damurida da Aldeia Flexal
- Doutor, vamos comer uma damurida amanhã?
- Comer, eu não sei se vou. Mas fotografar eu quero!
- Então vamos lá! Pra chegar ás sete!
- Sete da noite, Genésio?
- Não, Doutor! Sete da manhã!
- Comer, eu não sei se vou. Mas fotografar eu quero!
- Então vamos lá! Pra chegar ás sete!
- Sete da noite, Genésio?
- Não, Doutor! Sete da manhã!
Genésio é o Agente Indígena de Saúde. Damurida é o
prato principal da cultura Macuxi. Caldo de pimenta às sete da manhã! Pra
acordar o estômago! Bom apetite.
Cheguei cedo mas a galinha caipira já estava limpa,
cortada em pedaços e mergulhada na água e pimenta. Fora isso, só sal.
Não tem tucupi. Tem pimenta. Muita pimenta. Um
mosaico de formas, cores e ardência já enfeita a panela, dá gosto a carne e
desafia nossa coragem: murupi, olho-de-peixe, malagueta, trótróimû e a campeã
local, a canaimé. De tão “perigosa”, esta pequena e enrugada verdosa ganha nome
do “coisa-ruim”, entidade talvez nem tão assustadora quanto a
pimenta.
“bebe caxiri,
bebe macuxi.
come malagueta e come murupi,
quem sabe do sabor é indio macuxi”
bebe macuxi.
come malagueta e come murupi,
quem sabe do sabor é indio macuxi”
O forró, da banda indígena Caxiri na Cuia, está na
boca de todos em Roraima e confirma o que vamos experimentar. Da escadinha de
dez filhos de Genésio e Eliane, oito estão lá. Mais a equipe de saúde e alguns
vizinhos, logo a pequena varanda fica cheia de risos e crianças correndo. Chega
mais gente e as brincadeiras sobre a resistência dos não-indígenas a damurida
são as piadas da vez. Não existe nunca reunião fechada em aldeia. A solidão está
sempre acompanhada.
Galinha cozida, lá vem a damurida – embora todos
digam que “damurida de dia seguinte é mais gostosa”, mais encorpada. Para
acompanhar farinha feita lá mesmo, grossa, amarela, servida na mão; beiju de
tapioca, tradicional, seco no telhado; caxiri. Caxiri na cuia. Encorpado, de
batata amarela, ainda pouco fermentado.
São sete e meia, Genésio, adventista, ora e agradece a Deus pela comida de cada dia. Daniel, dentista carioca, capitão reformado é o primeiro a se aventurar, digo, provar, mergulhando um pedaço da tapioca no caldo.
- Até que não arde tanto. – Exclama
aliviado.
Genésio dá a dica.
- Molha da gordura do caldo. É lá que fica o
ardor.
Não precisa. A damurida é como um concorde. Primeiro o avião depois o
som. Quando você acha que não vai arder ela “bate”. Eu consegui até driblar a
tal da “gordurinha ardosa”. Adiantou nada. Chorei com saudade de um copo de
leite, receita infalível para a queimação.
O café-da-manhã foi completo. Para os não iniciados,
frango frito. Para as crianças menores, o frango com caldo de damurida. Tem que
se iniciar aos poucos. Para os adultos tapioca encharcada do caldo e a galinha
da damurida. Sabor a cada mordida, esquentando, anestesiando, pinicando e por
fim refrescando em uma onda de endorfina que só a pimenta consegue provocar. As
sensações se fundem as do caxiri.
São 08:10h da manhã. O estômago não comemora – e treme de medo por saber dos inúmeros casos de gastrite por aqui – mas a alma está em festa. Obrigado Genésio. Obrigado Eliane. O dia já está ganho.
Resolvido: vou virar índio!
Será que você pode se tornar indígena? Acho que você
nunca pensou nisso, não?
Pois é, mas descobri aqui em Roraima, entre os
Macuxi uma aldeia, chamada Barata, onde o Tuxaua (cacique) se “chama” Carioca.
Surfista, o meu conterrâneo saiu do Rio para surfar na pororoca, no Amapá.
Gostou, foi ficando, viajando e acabou por aqui: na maloca, casado, com filhos
nascidos e crescidos na comunidade e com aceitação de todos.
Parece estranho? Na verdade não é. Embora você não
possa modificar sua ascendência e se dizer um índio “legítimo”, você pode ter
aceitação social e comunitária, afinal, o que faz alguém ser ou não ser índio?
Ao contrário do que imaginamos, especialmente no Sul e Sudeste, não é andar
pelado e vestir cocar que faz com que alguém seja indígena. Não é nem mesmo
falar uma língua diferente e morar no meio da selva. Para ser indígena é preciso
se reconhecer como alguém de um grupo social tradicional e ser aceito como um
igual entre eles. Seguir as tradições, crenças, hábitos deste grupo, sejam elas
mais ou menos parecidas com as da sociedade ao redor. É partilhar a vida,
dificuldades, comemorações, alimento e suor. Se de início pensamos nisso de
forma preconceituosa, é só lembrar que, se migrarmos para outro país e
aceitarmos suas leis, podemos até nos naturalizar, não é mesmo? Há brasileiros
disputando Copas do Mundo por vários outros países. Schwarzenegger é nascido na
Áustria e governou a Califórnia. No Brasil um estrangeiro naturalizado pode ser
governador e ministro.
Então, porque não poderemos ser aceitos como
indígenas? Claro que podemos.
Assim não me causa estranheza quando atendo um
indígena chamado Atilo Nakamura. Simpático, além da curiosidade de um… digamos
assim… desnecessário masculino para Átila, o sobrenome japonês me chamou
atenção.
- Meu pai é japonês “nascido no Japão, Doutor”.
Mas Átilo nasceu
na comunidade mesmo. O olho puxado não o difere dos demais indígenas e quando
pergunto se tem vontade de visitar a terra dos familiares, logo me
responde.
- Não quero não. Eu sou é macuxi. E lá tem muito
terremoto.
Surpresa mesmo tenho ao atender
Siliankof.
Para mim este seria um nome adequado para uma vodka.
Mas Siliankof não é nem mesmo russo. Ele também é indígena Macuxi, nascido e
criado em Roraima. Fiquei surpreso com o nome, tão diferente e perguntei o
significado. Me disse que não sabia. Desconversei, mas depois de um tempinho
voltei ao assunto e ele explicou:
- Doutor, eu era Sidinei. Aí, quando era
época de ir para a escola meu pai foi tirar meus documentos e quando voltou, eu
não me chamava mais Sidinei.
Assim Sidinei virou Siliankof. Fácil
assim.
Hoje em nosso Distrito trabalham vários indígenas da
etnia Pankararu, de Pernambuco. Em busca de outros horizontes eles buscam a
mesma inserção no mercado que eu ou você. Eles não falam uma “língua materna”,
como aliás, nenhum Pankararu hoje em dia, mas mantém várias tradições como o
“menino do rancho” – ritual de iniciação dos meninos, a dança do Toré, e a
crença nos encantados, representados na Terra pelos Praiá, mascarados que
percorrem toda a aldeia cantando e dançando.
Nosso agente de saúde Hernandes, Macuxi, versátil, corta o cabelo do “parente”
Junior, Pankararu.
Michelle já trabalha conosco há muito tempo. Antes
havia trabalhado com os Yanomami. Agora chegou seu irmão, Junior. Os dois nos
contam muitas histórias de seu povo, da saudade de Pernambuco e do respeito pelo
Sagrado. Para diminuir a saudade Junior acende o campiô, espécie de cachimbo que
é fumado com uma mistura de ervas da caatinga, de cheiro bastante intenso. Nosso
agente de saúde, Hernandes, Macuxi filho de mineiro e com nome espanhol, resolve
experimentar e se assusta com o sabor forte. Nosso país realmente é pródigo, e
nosso povo especial por aceitar, mesclar e miscigenar de forma única. Este
aprendizado com a diferença me lembra uma frase que sempre me inspirou: “no
momento em que aceitarmos todas as nossas diferenças, seremos finalmente
iguais”. Seja igual você também!
campiô