segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Olá pessoal, já postei outras "Impressões Amazônica " do Dr. Altamiro, enviada pelo amigo Ambrogio. Acho muito interessante o trabalho desse médico e sua equipe. 
Espero que gostem e divulguem, é nossa história.
Angela


Mais uma vez estou enviando estas "Impressões Amazônicas" do meu amigo médico carioca Altamiro que vive lá com os Índios muita parte do ano.
Ambrogio

Amigos,

Inicio as Impressões com a notícia que mais uma vez as Impressões Amazônicas saíram por aí e romperam o espaço virtual do blog. Algumas fotos e um texto saíram na Revista Índio, sobre a questão indígena e que sempre recomendo. A versão integral está disponível em http://revistaindio.wordpress.com .

 Divulguem.

Depois recomendo o site do meu velho amigo de infância Henrique Manreza, que conheci em janeiro e que largou a selva paulista e o trabalho como fotojornalista para fotografar a felicidade na Amazônia – http://www.manreza.com.br/ser

E se as fotos não aparecerem, chequem em http://wp.me/PddFM-1n9

Abraços a todos, Altamiro


A damurida da Aldeia Flexal
- Doutor, vamos comer uma damurida amanhã?
- Comer, eu não sei se vou. Mas fotografar eu quero!
- Então vamos lá! Pra chegar ás sete!
- Sete da noite, Genésio?
- Não, Doutor! Sete da manhã!
Genésio é o Agente Indígena de Saúde. Damurida é o prato principal da cultura Macuxi. Caldo de pimenta às sete da manhã! Pra acordar o estômago! Bom apetite.
Cheguei cedo mas a galinha caipira já estava limpa, cortada em pedaços e mergulhada na água e pimenta. Fora isso, só sal.


- Mas pode usar tucupi. – Explica Eliane, esposa de Genésio.
Não tem tucupi. Tem pimenta. Muita pimenta. Um mosaico de formas, cores e ardência já enfeita a panela, dá gosto a carne e desafia nossa coragem: murupi, olho-de-peixe, malagueta, trótróimû e a campeã local, a canaimé. De tão “perigosa”, esta pequena e enrugada verdosa ganha nome do “coisa-ruim”, entidade talvez nem tão assustadora quanto a pimenta.



“bebe caxiri,
bebe macuxi.
come malagueta e come murupi,
quem sabe do sabor é indio macuxi”
O forró, da banda indígena Caxiri na Cuia, está na boca de todos em Roraima e confirma o que vamos experimentar. Da escadinha de dez filhos de Genésio e Eliane, oito estão lá. Mais a equipe de saúde e alguns vizinhos, logo a pequena varanda fica cheia de risos e crianças correndo. Chega mais gente e as brincadeiras sobre a resistência dos não-indígenas a damurida são as piadas da vez. Não existe nunca reunião fechada em aldeia. A solidão está sempre acompanhada.
Galinha cozida, lá vem a damurida – embora todos digam que “damurida de dia seguinte é mais gostosa”, mais encorpada. Para acompanhar farinha feita lá mesmo, grossa, amarela, servida na mão; beiju de tapioca, tradicional, seco no telhado; caxiri. Caxiri na cuia. Encorpado, de batata amarela, ainda pouco fermentado.














São sete e meia, Genésio, adventista, ora e agradece a Deus pela comida de cada dia. Daniel, dentista carioca, capitão reformado é o primeiro a se aventurar, digo, provar, mergulhando um pedaço da tapioca no caldo.
- Até que não arde tanto. – Exclama aliviado.

Genésio dá a dica.

- Molha da gordura do caldo. É lá que fica o ardor.

Não precisa. A damurida é como um concorde. Primeiro o avião depois o som. Quando você acha que não vai arder ela “bate”. Eu consegui até driblar a tal da “gordurinha ardosa”. Adiantou nada. Chorei com saudade de um copo de leite, receita infalível para a queimação.

O café-da-manhã foi completo. Para os não iniciados, frango frito. Para as crianças menores, o frango com caldo de damurida. Tem que se iniciar aos poucos. Para os adultos tapioca encharcada do caldo e a galinha da damurida. Sabor a cada mordida, esquentando, anestesiando, pinicando e por fim refrescando em uma onda de endorfina que só a pimenta consegue provocar. As sensações se fundem as do caxiri.














São 08:10h da manhã. O estômago não comemora – e treme de medo por saber dos inúmeros casos de gastrite por aqui – mas a alma está em festa. Obrigado Genésio. Obrigado Eliane. O dia já está ganho.















Resolvido: vou virar índio!
Será que você pode se tornar indígena? Acho que você nunca pensou nisso, não?
Pois é, mas descobri aqui em Roraima, entre os Macuxi uma aldeia, chamada Barata, onde o Tuxaua (cacique) se “chama” Carioca. Surfista, o meu conterrâneo saiu do Rio para surfar na pororoca, no Amapá. Gostou, foi ficando, viajando e acabou por aqui: na maloca, casado, com filhos nascidos e crescidos na comunidade e com aceitação de todos.
Parece estranho? Na verdade não é. Embora você não possa modificar sua ascendência e se dizer um índio “legítimo”, você pode ter aceitação social e comunitária, afinal, o que faz alguém ser ou não ser índio? Ao contrário do que imaginamos, especialmente no Sul e Sudeste, não é andar pelado e vestir cocar que faz com que alguém seja indígena. Não é nem mesmo falar uma língua diferente e morar no meio da selva. Para ser indígena é preciso se reconhecer como alguém de um grupo social tradicional e ser aceito como um igual entre eles. Seguir as tradições, crenças, hábitos deste grupo, sejam elas mais ou menos parecidas com as da sociedade ao redor. É partilhar a vida, dificuldades, comemorações, alimento e suor. Se de início pensamos nisso de forma preconceituosa, é só lembrar que, se migrarmos para outro país e aceitarmos suas leis, podemos até nos naturalizar, não é mesmo? Há brasileiros disputando Copas do Mundo por vários outros países. Schwarzenegger é nascido na Áustria e governou a Califórnia. No Brasil um estrangeiro naturalizado pode ser governador e ministro.
Então, porque não poderemos ser aceitos como indígenas? Claro que podemos.

Assim não me causa estranheza quando atendo um indígena chamado Atilo Nakamura. Simpático, além da curiosidade de um… digamos assim… desnecessário masculino para Átila, o sobrenome japonês me chamou atenção.

- Meu pai é japonês “nascido no Japão, Doutor”.

Mas Átilo nasceu na comunidade mesmo. O olho puxado não o difere dos demais indígenas e quando pergunto se tem vontade de visitar a terra dos familiares, logo me responde.

- Não quero não. Eu sou é macuxi. E lá tem muito terremoto.
Surpresa mesmo tenho ao atender Siliankof.

Para mim este seria um nome adequado para uma vodka. Mas Siliankof não é nem mesmo russo. Ele também é indígena Macuxi, nascido e criado em Roraima. Fiquei surpreso com o nome, tão diferente e perguntei o significado. Me disse que não sabia. Desconversei, mas depois de um tempinho voltei ao assunto e ele explicou:

- Doutor, eu era Sidinei. Aí, quando era época de ir para a escola meu pai foi tirar meus documentos e quando voltou, eu não me chamava mais Sidinei.
Assim Sidinei virou Siliankof. Fácil assim.











Hoje em nosso Distrito trabalham vários indígenas da etnia Pankararu, de Pernambuco. Em busca de outros horizontes eles buscam a mesma inserção no mercado que eu ou você. Eles não falam uma “língua materna”, como aliás, nenhum Pankararu hoje em dia, mas mantém várias tradições como o “menino do rancho” – ritual de iniciação dos meninos, a dança do Toré, e a crença nos encantados, representados na Terra pelos Praiá, mascarados que percorrem toda a aldeia cantando e dançando.






 Nosso agente de saúde Hernandes, Macuxi, versátil, corta o cabelo do “parente” Junior, Pankararu.
Michelle já trabalha conosco há muito tempo. Antes havia trabalhado com os Yanomami. Agora chegou seu irmão, Junior. Os dois nos contam muitas histórias de seu povo, da saudade de Pernambuco e do respeito pelo Sagrado. Para diminuir a saudade Junior acende o campiô, espécie de cachimbo que é fumado com uma mistura de ervas da caatinga, de cheiro bastante intenso. Nosso agente de saúde, Hernandes, Macuxi filho de mineiro e com nome espanhol, resolve experimentar e se assusta com o sabor forte. Nosso país realmente é pródigo, e nosso povo especial por aceitar, mesclar e miscigenar de forma única. Este aprendizado com a diferença me lembra uma frase que sempre me inspirou: “no momento em que aceitarmos todas as nossas diferenças, seremos finalmente iguais”. Seja igual você também!








campiô

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