Estarrecedor
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é formado por 33
ministros. Foi criado pela Constituição de 1988. Poucos conhecem ou acompanham
sua atuação, pois as atenções nacionais estão concentradas no Supremo Tribunal
Federal. No site oficial está escrito que é o tribunal da cidadania.
Um
simples passeio pelo site permite obter algumas informações preocupantes. O
tribunal tem 160 veículos, dos quais 112 são automóveis e os restantes 48 são
vans, furgões e ônibus. É difícil entender as razões de tantos veículos para um
simples tribunal. Mais estranho é o número de funcionários. São 2.741
efetivos.
Muitos, é inegável. Mas o número total é maior ainda. Os
terceirizados representam 1.018. Desta forma, um simples tribunal tem
3.759 funcionários, com a média aproximada de mais de uma centena
de trabalhadores por ministro!! Mesmo assim, em um só contrato, sem licitação,
foram destinados quase R$2 milhões para serviço
de secretariado.
Não é por falta de recursos que os processos
demoram tantos anos para serem julgados. Dinheiro sobra. Em 2010, a dotação
orçamentária foi de R$940 milhões. O dinheiro foi mal gasto. Só para
comunicação e divulgação institucional foram reservados R$11 milhões,
para assistência médica a dotação foi de R$47 milhões e mais 45 milhões
de auxílio-alimentação. Os funcionários devem viver com muita sede, pois foram
destinados para compra de água mineral R$170 mil. E para reformar uma cozinha
foram gastos R$114 mil. Em um acesso digno de Oswaldo Cruz, o STJ consumiu
R$225 mil em vacinas. À conservação dos jardins - que, presumo, devem estar
muito bem conservados - o tribunal reservou para um simples sistema de
irrigação a módica quantia de R$286 mil.
Se o passeio pelos gastos do
tribunal é aterrador, muito pior é o cenário quando analisamos a folha de
pagamento. O STJ fala em transparência, porém não discrimina o nome dos
ministros e funcionários e seus salários. Só é possível saber que um ministro
ou um funcionário (sem o respectivo nome) recebeu em certo mês um determinado
salário bruto. E só. Mesmo assim, vale muito a pena pesquisar as folhas de
pagamento, mesmo que nem todas, deste ano, estejam disponibilizadas. A média
salarial é muito alta. Entre centenas de funcionários efetivos é muito difícil
encontrar algum que ganhe menos de 5 mil reais.
Mas o que chama principalmente a atenção, além dos
salários, são os ganhos eventuais, denominação que o tribunal dá para o
abono, indenização e antecipação das férias, antecipação e a
gratificação natalinas, pagamentos retroativos e serviço extraordinário
e substituição. Ganhos rendosos. Em março deste ano um ministro recebeu, neste
item, 169 mil reais. Infelizmente há outros dois que receberam quase que o
triplo: um, R$404 mil; e outro, R$435 mil. Este último, somando o salário e as
vantagens pessoais, auferiu quase meio milhão de reais em apenas um mês! Os
outros dois foram "menos aquinhoados", um ficou com R$197 mil e o segundo, com
432 mil. A situação foi muito mais grave em setembro. Neste mês, seis ministros
receberam salários astronômicos: variando de R$190 mil a R$228 mil.
Os funcionários (assim como os ministros) acrescem ao
salário (designado, estranhamente, como "remuneração paradigma") também
as "vantagens eventuais", além das vantagens pessoais e outros auxílios (sem
esquecer as diárias). Assim, não é incomum um funcionário receber R$21 mil, como
foi o caso do assessor-chefe CJ-3, do ministro 19, os R$25,8 mil do
assessor-chefe CJ-3 do ministro 22, ou, ainda, em setembro, o assessor chefe
CJ-3 do do desembargador 1 recebeu R$39 mil (seria cômico se não fosse trágico:
até parece identificação do seriado "Agente 86".
Em meio a estes
privilégios, o STJ deu outros péssimos exemplos. Em 2010, um ministro, Paulo
Medina, foi acusado de vender sentenças judiciais. Foi condenado pelo CNJ.
Imaginou-se que seria preso por ter violado a lei sob a proteção do Estado, o
que é ignóbil. Não, nada disso. A pena foi a aposentadoria compulsória. Passou a
receber R$25 mil. E que pode ser extensiva à viúva como pensão. Em outubro do
mesmo ano, o presidente do STJ, Ari Pargendler, foi denunciado pelo estudante
Marco Paulo dos Santos. O estudante, estagiário no STJ, estava numa fila de um
caixa eletrônico da agência do Banco do Brasil existente naquele tribunal. Na
frente dele estava o presidente do STJ. Pargendler, aos gritos, exigiu que o
rapaz ficasse distante dele, quando já estava aguardando, como todos os outros
clientes, na fila regulamentar. O presidente daquela Corte avançou em direção
ao estudante, arrancou o seu crachá e gritou: "Sou presidente do STJ e você está
demitido. Isso aqui acabou para você." E cumpriu a ameaça. O estudante, que
dependia do estágio - recebia R$750 -, foi
sumariamente demitido.
Certamente o STJ vai argumentar que todos os
gastos e privilégios são legais. E devem ser. Mas são imorais, dignos de uma
república bufa. Os ministros deveriam ter vergonha de receber 30, 50 ou até 480
mil reais por mês. Na verdade devem achar que é uma intromissão
indevida examinar seus gastos. Muitos, inclusive, podem até usar o seu
poder legal para coagir os críticos. Triste Judiciário. Depois de tanta
luta para o estabelecimento do estado de direito, acabou
confundindo independência com a gastança irresponsável de recursos públicos,
e autonomia com prepotência. Deixou de lado a razão da sua existência: fazer
justiça.
MARCO ANTONIO VILLA é historiador e professor da Universidade
Federal
de São Carlos
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