segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Amigos,
As Nações Unidas promoveram uma campanha para escolha de histórias sobre mulheres que fazem a diferença para a conquista dos Objetivos do Milênio. Um texto das Impressões Amazônicas contando a história da Enfermeira Inácia Freitas que trabalha com os Kaiapó foi escolhida uma das Unsong MDH Hero (Heróis Desconhecidos dos Objetivos do Milênio).

Vejam no site http://www.endpoverty2015.org/en/women-make-it-happen-awards a história de Inácia, que se encontra aqui nas Impressões Amazônicas.
Olá Pessoal, 
Este é outro relato do maravilhoso Dr.Altamiro Vilhena e sua equipe.
Ele é pediatra e anda cuidando dos meninos das várias tribos indigenas.

IMPRESSÕES  AMAZÔNICAS 66
11 de março
A aldeia Manalai já está quase na fronteira com a Guyana e a Venezuela. Se o tempo está bom conseguimos ver daqui o Monte Roraima, o que não é o caso hoje. Aliás, estou nesta aldeia Ingaricó há 5 dias e não tivemos um único minuto de sol. Como estamos na serra, pouco abaixo do Monte Roraima, imaginem o frio. Tentei fotografar hoje pela manhã, mas até as aves também parecem ter se escondido da chuva, me deixando só com meus pensamentos.
Até agora estamos avaliando as crianças e colocando as vacinas em dia. A tarde iremos fazer visitas a domicílio rio abaixo em busca dos idosos e crianças de baixo peso. Tomara que a chuva passe.

Estou no barco e a chuva não dá trégua. Espero que ao menos a gente atenda muita gente. Minha capa de chuva daqui há pouco não vai agüentar mais.

Já fomos a 3 malocas e as crianças já foram pesadas e estão bem. As rocas se espalham ao longo do rio e a terra parece tão fértil quanto as mães. Haja curumim por aqui.
Entro em mais uma maloca. As moradias ingaricó sao bonitas.

Estrutura de madeira coberta de barro. Teto de palha. Janelas mínimas, quadradas. Ambiente único, que é ao mesmo tempo quarto, sala e cozinha. Fogo sempre aceso. Escuridão da falta de luz que se mistura a da fuligem. Os olhos custam a se acostumar. Quando consigo ver descubro uma panela de caxiri no fogo.
Ao seu lado, deitada na rede, uma velha senhora. Os cabelos brancos e a pele enrugada sobre os ossos sugerem pelo menos um século de luta. Lúcida queixa-se apenas de dor de estômago, mas não há como restringir o consumo diário do caxiri apos 96 anos. Dona Catarina me encanta e vale toda chuva e vento que peguei no barco.
Aproveito para registrar o "ciclo" do caxiri. Os diferentes tubérculos, a prensa (tipiti), o cozimento e até o consumo. Não tive como declinar o caxiri com beiju oferecido pela filha de Dona Catarina. A mandioca-macaxeira-aipim é um fruto abençoado da terra e que sustenta muita gente, mas tem outra grande qualidade: e danado de fotogenico, em todos seus estágios.

As meninas sentam na alavanca que aperta o tipiti, fazendo espremer a mandioca. O líquido que sai é coletado, é o tucupi. O que sobra é a massa que vemos abaixo.
Hora de voltar, ainda sob chuva. A sensação de dever cumprido se mescla ao vento e a chuva. Agradeco a Deus, pois é impossivel me sentir mais vivo.
12 de março
Pela manhã nos dirigimos ao malocão para a palestra da saúde.

Ao final, após o tuchaua agradecer fomos convidados para dançar “aleluia”. Já estávamos com fome, mas convite do dono da casa não se questiona, se cumpre. Mais uma vez tentei fotografar sem ter a necessária competência – e um gravador – para registrar este momento único. Som e dança se fundem e nos transportam a outro mundo. Aleluia. Sem dúvida nos aproximamos de Deus nestes momentos. Mas o tempo passou e após cerca de uma hora a perna pesava e a barriga roncava. Nos ofereceram damurida e caxiri. O caxiri, bebida de mandioca, estava pouco fermentada, desceu bem. Me atrevi a tentar a damurida, aquele caldo de pimenta com mais pimenta. Molhei o beiju, provei e… até agora minha boca está ardendo, e provavelmente ainda estará quando você estiver lendo este texto. As risadas das índias vendo meus olhos cheios de água só não eram maiores do que as que davam quando eu tentava dançar “aleluia” com meus dois pés esquerdos.
Aldeia Bananeira – Janeiro de 2011
Acabo de sair do avião e sou literalmente “largado” na pista. Meus anfitriões são o sol e a poeira que a aeronave espalha ao decolar. Procuro uma sombra enquanto espero os moradores da Aldeia Bananeira nos buscarem.
É a primeira vez que venho nesta comunidade e pelo sobrevôo percebi como fica longe da pista. Após quase vinte minutos chega seu Dejanir de bicicleta que me ajuda com a carga e ando cerca de meia hora até chegar a maloca onde ficarei abrigado. Há um sofá de couro legítimo, feito por lá mesmo, remédios pendurados no teto (não me perguntem por que) e frangos com “pulseiras” colorida para os donos os identificarem.
Tomo água, discretamente turva, mas deliciosamente fresca e deixo passar o café. Não preciso de mais calor. Logo ouço o barulho do avião novamente. Engulo mais água e volto a pista, já com meu boné de legionário, protetor solar e disposição. Só não imaginava que precisaria de tanta disposição. Foram caixas e caixas de material odontológico, alimentos e material de enfermagem para ser transportado, trabalho que durou quase três horas em companhia do dentista, enfermeiro, técnica e de alguns indígenas.
Quando acabamos, quase quatro da tarde, nós do primeiro vôo ainda sem comermos, não havia mais como atender ninguém. Assim o resto do dia foi para “arrumar a casa”, preparar refeição, tomar um belo e merecido banho e… descansar.
Jantamos ao entardecer, já de banho tomado. O sol se vai preguiçoso por trás das montanhas e o céu faz um degradê do azul ao negro profundo. Luzes piscam no céu e nos campos ao nosso redor. Não sei se os vaga-lumes que subiram ao céu ou as estrelas que se aproximaram de nós. Mais uma vez penso que estou próximo do paraíso.
Hoje é domingo. A noite traz um clarão maior do que o dos vaga-lumes e estrelas. Um som sobrepuja o do gerador. Pouco a pouco os indígenas se reúnem na igreja, que fica ao lado de onde dormimos. Hinos são entoados com disposição. A Serra do Sol é cristã.
Voltando para casa
O tempo está ruim, mas a viagem é tranquila. O piloto, Chaparral, último a “capotar” um avião em área indígena optou por não abastecer a aeronave para voar mais leve e mais ligeiro. “Acho que vai dar bem, tem pouca carga”, diz ele após descer da asa do avião onde foi conferir o reservatório de gasolina.
O tempo fecha aos poucos, mas só “chacoalhamos” um pouco quando saímos da serra para a região do lavrado. Boa Vista se aproxima e o tempo fecha mais. A solicitação ao pouso é realizada, mas o controle aéreo de Boa Vista nega. “Sem teto. Procure opção alternativa de pouso”.
- Que sem teto o que! – resmunga Chaparral. Ela não está aqui em cima pra ver. Esse povo é doido!
E segue ele dentro da nuvem, sem enxergar absolutamente nada por alguns minutos.
- Dá pra ver tudo, meu parceiro! – resmunga mais uma vez.
Fico com inveja de sua visão de raio-x, pois só o que vejo é um tudo branco. Céu branco, chão branco. Fico feliz pela ignorância branca que me permite não ter idéia do que está acontecendo.
Aos poucos saímos das nuvens e o mundo volta a ter cor.
- O pouso é por sua conta e risco – informa mais uma vez a base aérea de Boa Vista.
Descemos suavemente, sob chuva fina e Chaparral exulta.
- Eu disse, parceiro. Este pessoal do controle de tráfego não enxerga nada.
Abraço no coração,
Altamiro

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