domingo, 18 de setembro de 2011


Recebi este e-mail de meu querido amigo Ambrogio, que diz assim: Altamiro é um fantástico pediatra que cuida dos meninos dos Indios. Encontrei ele na Índia neste ano.
Ele é um tipo fantástico
Ambrogio 
Impressões Amazônicas 72
O arco-íris forma um anel completo no céu sobre o posto de saúde. O final de tarde é abafado em Santo Antonio do Pão, uma das comunidades da região de Caraparu, onde estou para investigar possíveis causas de morte em crianças menores de cinco anos.
Nunca há uma única causa: dificuldade de acesso, baixo peso, falta de medicamentos, descontinuidade de práticas de cuidados tradicionais são alguns dos fatores envolvidos.

Conversamos em cada comunidade para que os próprios indígenas auxiliem na identificação dos problemas. Escuto opiniões bastante lúcidas:
- A religião atrapalhou a gente, pois os padres e pastores diziam que o pajé “era coisa do diabo”. Aí o que aconteceu?
Em muitos os lugares ninguém sabe mais como fazer para curar o parente.
- Nós não podemos comer estes alimentos congelados, este frango “que já está morto há tanto tempo que a gente nem sabe”.
- A “sacolinha” não resolve a questão indígena. O beneficio que queremos é incentivo a agricultura.
- Tem alguns parentes que bebem muito. A pessoa que bebe se mata pela boca igual peixe.
Quando está na bebida tem palavra forte para falar, aqui na reunião não fala nada.

Estranho o arco-íris sem chuva. Aos poucos se aproxima uma assustadora nuvem cinza-chumbo. Com ela vem o vento. Muito vento, daqueles que formam redemoinhos, bons para pegar saci.
O barulho sacode as árvores e logo toda conversa tem que ser aos gritos. Mas... cadê a chuva?
Do galpão onde estamos vemos pouco mais que algumas gotinhas. Amazônia...nome que só entende quem vive. Em menos de um minuto o que eram gotinhas se tornam chafarizes derramados do céu.
Chuva + vento = vamos tirar correndo as redes que vai encharcar tudo!
Todo mundo se esconde no meio do galpão, mas o vento é grande. Só está protegida a minha barraquinha... Ledo engano, pois a chuva encharca o chão e logo ela está sobre um colchão de água. Vamos ver se ela é mesmo impermeável.
O único consolo é que com o vento os carapanãs e piuns desaparecem.
Tão rápido quanto veio, em pouco menos de quinze minutos a chuva que veio se foi. Logo surge seu Vitalino para ver se estamos bem. Portando um vistoso guarda-chuva de margarida, sorriso no rosto moreno vincado, os cabelos brancos não escondem a idade. Ele é bom de papo e conta como fundou a comunidade, onde todos são filhos e netos. Reclama do beribéri, doença carencial comum na região devido a dieta monótona e o alto consumo de caxiri e que o deixou fraco e sem ânimo para nada, misturando os sintomas da doença com os dos mais de 80 anos. No final pede desculpas pela comunidade não estar tão bonita quanto no tempo que ele era “o cabeça”.
– Meu filho tenta, mas ainda tem muito que aprender comigo.
Pois é... segundo seu Vitalino “Barba-Negra ainda é o rei dos sete mares”.
Atendimento na Aldeia Caraparu 4.
Estou avaliando as crianças quando o Agente se Saúde me chama.
- Doutor, minha mãe está aí fora passando mal, tendo uns “tremeliques”.
Corro para ver o que aconteceu e encontro uma daquelas avozinhas com todos os cabelos brancos que indicam sua quase centenariedade tendo crises de convulsão focal – um provável AVC. O que fazer? Soro para hidratação na veia e oração. Não há mais opções. A pressão está boa e ela logo melhora reclamando apenas de uma leve dor de cabeça.
Dona Ana veio andando debaixo do sol equatorial de onze horas. Quente?
Não. Escaldante. E veio sozinha.
- Mora aonde? – quero saber.
- Ah doutor, logo ali naquela casa.
No final da tarde libero Dona Ana para casa e ela, tão logo se vê livre do soro aperta a mão de todos e se despede. Pega um bastãozinho e sai andando. Vou seguindo com os olhos. Não era “aquela” casa que imaginei. E nem a outra, nem a outra. Ué... Cadê a casa de Dona Ana?
É mais de dez minutos de pernada até o pontinho de adobe se tornar um casa de verdade.
E ela veio sozinha debaixo do sol. 96 anos.
Quando crescer quero ficar igual a Dona Ana.
Agora estamos em Waromada, palavra Macuxi que dá nome a uma pequena rã que mora nas árvores. Esta é a última aldeia que vamos visitar nesta viagem. Estamos em um posto de saúde de adobe, com dois cômodos. Em um ficam as redes das meninas e em outro está minha barraca e a rede do Aldelino. Estou na barraca para escapar dos últimos carapanãs quando escuto um grito:
- Uma cobra!
Enquanto alguns correram “da” cobra” eu corri “pra” cobra, com a câmera na mão. Eu sempre enxoto as cobras, mas esta não teve perdão, afinal estava em uma fresta dentro do posto e saindo do lado das cordas das redes. Uma pazada e a cobra descansou em paz. Jararaca.
Ainda filhote, mas com belas presas.
Alívio. Voltei para o computador, para contar a história.
- Uma cobra!
Ai, ai... será mesmo? Onde tinha uma, tinha outra. E lá fomos nós tentar dar fim de mais uma jararaca. Meus brios de ecologista ferrenho estavam manchados, mas... o que fazer? Lá se foi outra cobra.
Todo mundo perdeu o sono e resolvemos fazer um café.
- Uma cobra!
Já estava ficando mais repetitivo do que desenho do Pica-pau, mas não é que tinha outra? Só a cabecinha... Só que ela ia e voltava, não dava para pegar. Para podermos dormir a solução seria “desmontar” o ninho das cobras, que era exatamente a parede do posto.
E lá fomos nós desmontando a parede até chegar a cobra, desta vez maior que as outras e... menos outra cobra na face da terra.
Onde tem três cobras tem mais? Não sei, mas na dúvida não vamos mais ficar aqui e a noite vai ser no malocão, que é aberto e não tem perigo de cobra nas frestas.

-- XX – XX – XX – XX

Para finalizar uma historinha do hospital, onde atuo em unidade semi-intensiva quando não estou viajando. A vaidade é uma característica de todas as mulheres. As Yanomami adoram se pintar, usar enfeites, se maquilar, o que é muito difícil quando estão nas aldeias.
Assim, no hospital elas pedem de presente batom e esmalte. A alegria de estarem todas enfeitadas é enorme, e não perdem a oportunidade de mostrar para as amigas.
É uma folga de prazer em meio a dor do hospital.

Abraço no coração,

Altamiro
Agora as fotos dos fatos que Dr.Altamiro descreve






 Dr.Altamiro










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