Uma fábula a álcool
O Globo - Celio Pezza
Era uma vez, um país que disse ter conquistado a
independência energética com o uso do álcool feito a partir da cana de açúcar.
Seu presidente falou ao mundo todo sobre a sua conquista e foi muito aplaudido
por todos. Na época, este país lendário começou a exportar álcool até para
outros países mais desenvolvidos. Alguns anos se passaram e este mesmo país
assombrou novamente o mundo quando anunciou que tinha tanto petróleo que seria
um dos maiores produtores do mundo e seu futuro como exportador estava garantido.
A cada discurso de seu presidente, os aplausos eram tantos
que confundiram a capacidade de pensar de seu povo. O tempo foi passando e o
mundo colocou algumas barreiras para evitar que o grande produtor invadisse seu
mercado. Ao mesmo tempo adotaram uma política de comprar as usinas do lendário
país, para serem os donos do negócio. Em 2011, o fabuloso país grande produtor
de combustíveis, apesar dos alardes publicitários e dos discursos inflamados de
seus governantes, começou a importar álcool e gasolina.
Primeiro começou com o álcool, e já importou mais de 400
milhões de litros e deve trazer de fora neste ano um recorde de 1,5 bilhão de
litros, segundo o presidente de sua maior empresa do setor, chamada Petrobras
Biocombustíveis. Como o álcool do exterior é inferior, um órgão chamado ANP
(Agência Nacional do Petróleo) mudou a especificação do álcool, aumentando de
0,4% para 1,0% a quantidade da água, para permitir a importação. Ao mesmo
tempo, este país exporta o álcool de boa qualidade a um preço mais baixo, para
honrar contratos firmados.
Como o álcool começou a ser matéria rara, foi mudada a
quantidade de álcool adicionada à gasolina, de 25% para 20%, o que fez com que
a grande empresa produtora de gasolina deste país precisasse importar gasolina,
para não faltar no mercado interno. Da mesma forma, ela exporta gasolina mais
barata e compra mais cara, por força de contratos.
A fábula conta ainda que grandes empresas estrangeiras, como
a BP (British Petroleum), compraram no último ano várias grandes usinas
produtoras de álcool neste país imaginário, como a Companhia Nacional de Álcool
e Açúcar, e já são donas de 25% do setor. A verdade é que hoje este país
exótico exporta o álcool e a gasolina a preços baixos, importa a preços altos
um produto inferior, e seu povo paga por estes produtos um dos mais altos
preços do mundo. Infelizmente esta fábula é real e o país onde estas coisas
irreais acontecem chama-se Brasil.
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CELIO PEZZA é escritor.
Fonte: http://cpezza.com/wordpress/