Nossas mães africanas
Eis aqui a escrava do Senhor, cumpra-se em mim
segundo a sua palavra.
Esta é a forma com a qual Maria, a mãe de Jesus,
responde ao mensageiro celeste que lhe vem anunciar a concepção da
criança.
Estranho se posicionar como escrava quem foi
escolhida para ser a excelsa mãe de Jesus. Basta uma pequena reflexão, no
entanto, para verificarmos como a expressão está adequada.
Recordamos de tantas escravas, ao longo da História,
que se transformaram em auxiliares indispensáveis dos seus
senhores.
Escravas cujos nomes acabaram associados aos seus
próprios senhores.
No Brasil, lembramos das escravas africanas que
serviram ao homem branco. Muitas delas não somente carregaram o
sinhozinho nos braços mas o alimentaram com o próprio seio.
Tornaram-se suas segundas mães, acompanhando-os mesmo
depois de crescidos, na formação do novo lar, a atender-lhes os filhos, como uma
avó.
Avó de cor. Avó de amor.
Amas de leite que, por vezes, tinham seu próprio
rebento afastado dos braços, a fim de que sobrasse mais alimento dos seus seios
para o filho branco.
E, por não terem o seu bebê nos braços, por terem a
saudade a lhes magoar a alma, por sentirem falta do seu filhinho, drasticamente
afastado de seu carinho, dedicavam-se ao filho da alheia carne.
O filho do sinhô, o filho da
sinhá.
Quem poderá esquecer como essas mães alimentaram, não
somente o corpo, mas a imaginação e a mente das crianças sob sua
guarda?
Quantas histórias das suas longínquas terras, das
tradições de sua gente povoaram as noites daqueles meninos e meninas atentos, ao
redor do fogo, no terreiro...
Ou no aconchego da casa grande, ao pé do
fogão.
Quantos mingaus, cozidos, temperos foram
acrescentados ao cardápio diário.
Aprendendo a língua de quem as tinha sob seus
serviços, introduziram palavras diferentes no vocabulário dos
pequenos.
E para os acalmar, nas noites de medo, elas cantavam
as melodias com que foram elas próprias acalentadas em sua
infância.
E, enquanto a saudade as consumia intimamente, também
lembravam em versos das riquezas de sua terra natal, de melodias, de danças, de
cantorias.
Recordavam dos dias de alegria, quando a liberdade
lhes sorria e o futuro era sonhado, nas tardes quentes e nas noites
mornas.
Escravas mães. Mães escravas.
Benditas sejam por todos os cuidados dispensados ao
homem branco, por sua capacidade de amar o filho alheio.
Benditas sejam por sua grandeza, por sua dedicação,
pela contribuição à cultura do povo que as escravizou.
Que nunca esqueçamos o quanto devemos a essas
criaturas pois se a escravidão as mantinha presas a tarefas determinadas, foi de
forma voluntária que entregaram em holocausto ao amor o próprio
coração.
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