sábado, 31 de julho de 2010

Autor do Livro: Jornalista Ivo Patarra
CAPÍTULO 6 CONTINUAÇÃO (Parte 50 de 51)


- E aí?

- Aí, os fatos falam por si só.

- O senhor considerou essa conversa com Delúbio uma extorsão?

- Não, senti como uma pressão para ajudar o partido.
- Foram essas as únicas vezes que        vocês tiveram contato com a campanha do PT?
- Teve uma terceira vez.        Um dia, no escritório do Opportunity, em São Paulo,  fui informado de que um tal de Ivan Guimarães queria falar comigo. Não tinha marcado encontro, não foi indicado por ninguém.  Me trouxe o que, vim a saber depois, era           um kit de contribuição do PT, com uma fita do Lula,  um broche e uma caneta dentro de uma caixa.    Achei estranho, disse que concessionária de governo            não pode contribuir. 

Dia 370
18/5/2006 A Polícia Federal apreende computadores e documentos no escritório do deputado José Janene (PP-PR), acusado de envolvimento no escândalo do mensalão. Suspeita-se que pessoas ligadas a José Janene tenham sido beneficiárias de R$ 5,3 milhões do valerioduto.
Meheidin Hussein Jenani, primo e assessor do deputado, movimentou R$ 295 mil em agência da Caixa Econômica Federal de Londrina (PR). O salário dele é de apenas R$ 1.834. A maior parte dos depósitos nas contas de pessoas ligadas a José Janene ocorreu entre 2003 e 2005, período áureo dos repasses do caixa 2 do PT.

A mulher do deputado, Stael Fernanda, apareceu como compradora de fazendas em Londrina e Faxinal (PR), e de dois terrenos em condomínio de luxo em Londrina. Num deles, estava sendo erguida residência de 2 mil metros quadrados de área construída, avaliada em R$ 2 milhões.
Dia 372
20/5/2006 O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, reuniu-se em segredo com o banqueiro Daniel Dantas. O grave é que Dantas acusou Bastos de ter dinheiro guardado no exterior, não declarado, conforme apontou a revista Veja. Segundo o repórter Marcio Aith, “Bastos deveria esforçar-se para prender o banqueiro, e não se sentar à mesa com ele para tratar de negócios”.
Os dois teriam celebrado pacto segundo o qual o governo ficou de não pôr a Polícia Federal atrás de Dantas, enquanto o banqueiro se prontificou a não fornecer dados que comprometessem autoridades brasileiras na CPI.
Bastos teria procurado neutralizar um suposto dossiê de 41 páginas, com documentos sobre 27 contas bancárias em paraísos fiscais, todas recheadas com dinheiro ilegal de próceres da República, inclusive de Lula. A revista sustenta que Dantas entregou o dossiê à reportagem. Ele nega. O material foi encaminhado por Veja ao procuradorgeral Antonio Fernando de Souza.
De acordo com a revista, Dantas pagou US$ 838 mil pelo dossiê a Frank Holder, exdiretor da agência de investigações Kroll. Pretendia usá-lo para fazer chantagem. Veja refere-se a uma ata com o resumo de uma conferência telefônica realizada em 10 de fevereiro de 2005, entre Dantas, assessores e diretores da Kroll. No documento, o banqueiro relata que o ex-ministro José Dirceu e integrantes do governo Lula não iriam prejudicar os interesses do Opportunity, desde que ficassem livres de investigações da Kroll.
Veja também recorre a matéria publicada pela revista Carta Capital. A publicação lembra que o senador Heráclito Fortes (PFL-PI), aliado de Dantas, fez alusões a contas bancárias no exterior, durante depoimento de Luiz Gushiken (PT-SP) à CPI dos Correios, em setembro de 2005. Heráclito Fortes discorreu sobre a Kroll para Luiz Gushiken:

- Não era uma característica da Kroll, no mundo inteiro, fazer gravações telefônicas, como se queria provar e mostrar. Mas, sim, fazer o rastreamento de contas e outras atividades.
O senador pontuou o que, no entender dele, estaria por trás do receio às atividades da agência de investigações:
- O medo da Kroll tem outro fundamento, senhor Gushiken, e a verdade vai chegar. É só questão de esperar, é só questão de tempo. Na verdade, o pavor que o governo tem da Kroll tem outro fundamento, e vamos chegar à verdade.
Parece claro que o senador Heráclito Fortes fez referência a somas de dinheiro de figurões, aplicadas ilegalmente no exterior.
Dia 375
23/5/2006 Delúbio Soares depõe à CPI dos Bingos. Recusa-se a assinar termo comprometendo-se a dizer a verdade, mas admite a participação em reunião com o banqueiro Daniel Dantas e o diretor do Opportunity, Carlos Rodenburg. Estava acompanhado de Marcos Valério. Foi em 22 de julho de 2003, no hotel Blue Tree, em Brasília. O encontro foi a pedido Valério. O ex-tesoureiro negou que a reunião serviu para exigir dinheiro. Delúbio teria insinuado durante o encontro que o PT queria US$ 40 milhões de Dantas. Diz Delúbio:
- Conversei com muitos empresários. Não tem ninguém que diga que eu pedi dinheiro.
Sobre o objetivo da reunião, então:
- O conteúdo foi que o Partido dos Trabalhadores não gostava do Opportunity. Eu não disse que gostava, nem que não gostava. O PT não tinha nenhuma restrição.
A campanha do PT em 2002 recebeu R$ 1 milhão de empresários de bingo?
- Nunca tive relacionamento com pessoas ligadas a jogos. Nunca entrei em casa de bingo.
Nem em quermesse eu jogava bingo. Nunca recebi recursos de bingos. Não conheço o assunto, não conheço ninguém. Me declaro incompetente.
Mais direto, impossível.
Num dos momentos mais acalorados do depoimento, Delúbio diz que não pode ser responsabilizado por decidir, sozinho, sobre operações financeiras que alimentaram o caixa 2 do PT. O diálogo é com o presidente da CPI, o senador Efraim Morais (PFL-PB).
Diz Delúbio:
- Eu tinha uma procuração política da direção do partido.
- De quem? Do presidente Lula, de Dirceu?
- Eu tinha uma autorização política.
Mais uma vez, Delúbio Soares mata no peito.
Manobra do governo na CPI evita a convocação de Daniel Dantas. Também fica de fora Jorge Mattoso, ex-presidente da Caixa Econômica Federal, e Daniel Goldberg, o assessor de Márcio Thomaz Bastos. E isso sem falar em Marcos Valério que, da mesma forma, foi desobrigado de prestar depoimento.
Dia 376
24/5/2006 A Câmara dos Deputados absolve o 11º acusado de envolvimento no escândalo do mensalão. Livra-se da cassação o deputado Vadão Gomes (PP-SP). Em votação secreta, Vadão recebe 243 votos em sua defesa, contra 161 a favor da perda do mandato. Há 16 abstenções, quatro votos em branco e um nulo. Vadão foi acusado de receber R$ 3,7 milhões do caixa 2 do PT. O Conselho de Ética da Câmara aprovou parecer, inocentando-o. O autor foi o deputado Eduardo Valverde (PT-RO). Diz o petista:
- Seria fácil seguir o consenso de grande parte dos meios de comunicação, me aproveitar disso e crucificar mais um. Mas assumi a responsabilidade de remar contra a maré. Sei que amanhã parte da imprensa estampará que foi absolvido mais um mensaleiro.
Vadão teria recebido os R$ 3,7 milhões de Valério em dois pagamentos, feitos em hotéis de São Paulo. Delúbio confirmou a história. Há registro de telefonemas entre Vadão, Valério e Delúbio, alguns dias antes dos repasses. Do deputado João Fontes (PDT-SE):
- Não podíamos ter a esperança de cassação de Vadão Gomes numa Câmara contaminada por mensaleiros e sanguessugas.
O Congresso desiste de investigar a “máfia dos sanguessugas”. Transfere a responsabilidade para a Procuradoria-Geral da República. Fica sem efeito sindicância aberta na Câmara para apurar suposta participação de 16 deputados no esquema de venda de ambulâncias superfaturadas, compradas por prefeituras de todo o País. Os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), decidem desautorizar investigações sobre o envolvimento de parlamentares. O procurador-geral solicita ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de inquéritos criminais contra 15 parlamentares. Os nomes dos investigados não são divulgados. No fim, ninguém seria punido. Mais uma vez.
Dia 381
29/5/2006 A Justiça Federal determina o sequestro de bens e o bloqueio de ativos financeiros da mulher do deputado José Janene (PP-PR), acusado de envolvimento no escândalo do mensalão. Stael Fernanda tem salário declarado de R$ 5.000, como assessora do marido, mas desde 2003 teria adquirido patrimônio superior a R$ 2 milhões. A ação também atinge Mehedin Hussein Jenani e a mulher dele, Rosa Alice Valente, ambos assessores de José Janene.
Dia 388
5/6/2006 A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) formaliza notícia-crime contra Lula. A  denúncia é entregue pelo presidente da entidade, Roberto Busato, ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Traz três justificativas para investigar Lula. A primeira é o aporte de R$ 10 milhões da Telemar à Gamecorp, empresa pertencente a Fábio Luís Lula da Silva, o “Lulinha”. Da notícia-crime: “A Gamecorp, comandada por Fábio Luís da Silva, filho do presidente da República, associou-se com a Telemar, em operação milionária, sequer comunicada à Comissão de Valores Mobiliários.”
O segundo ponto citado é um decreto presidencial, de agosto de 2004, que permitiu ao banco BMG entrar no setor de crédito a aposentados e pensionistas, apesar de não ser instituição autorizada a fazer pagamentos de benefícios da Previdência Social. Menos de duas semanas após o decreto, o BMG assinou convênio com o INSS (Instituto Nacional de Seguro Social). Obteve acesso a um mercado milionário, no qual atuou sozinho com a Caixa Econômica Federal, por quase dois meses. Da notícia-crime:
“O decreto presidencial facultou ao banco BMG atuar no crédito a funcionários federais, ressarcido mediante consignação em folhas de pagamento de vencimentos, sem que a referida instituição integre a rede de pagamentos do sistema previdenciário.”

Na terceira investigação, a OAB propõe apurar as razões do silêncio de Lula em relação ao mensalão. Quer os detalhes sobre a compra de votos, caixa 2 e supostos atos de improbidade. A notícia-crime justifica a denúncia:

“A indesculpável e inexplicável omissão do presidente, nos episódios do mensalão, na formação de caixa 2 para o financiamento das campanhas do PT e na prevenção/repressão a atos de  improbidade cometidos pelos mais chegados auxiliares do chefe do executivo.”
Dia 389
6/6/2006 O editorial “Um ano depois”, da Folha de S.Paulo, menciona o período transcorrido desde a entrevista em que Roberto Jefferson denunciou o esquema do mensalão. O jornal alerta para “impedir que o mensalão se torne apenas um episódio no rol de escândalos esquecidos da política nacional”:
“A ruína ética e o desmoronamento das cúpulas do PT e do governo Lula são itens de destaque no balanço da crise. A despeito disso, o lulismo agora patrocina uma campanha cujo objetivo é apagar, nos eleitores, a memória do que foi o escândalo de corrupção. A estratégia oportunista se vale dos altos índices de popularidade presidencial – ancorados em dinheiro transferido a famílias pobres e melhoras discretas no emprego – e aposta no desgaste que o tempo decorrido desde as primeiras denúncias emprestou ao tema.”

Dia 390
7/6/2006 O banqueiro Daniel Dantas presta depoimento à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça, do Senado). Ele confirma que o ex-sócio Carlos Rodenburg foi procurado por Delúbio Soares e o petista Ivan Guimarães. Os dois queriam que o Opportunity contribuísse com o PT. Conforme Dantas, os integrantes do PT ficaram contrariados por Rodenburg ter negado o pedido. Dantas afirma que Delúbio procurou Rodenburg para explicar as dificuldades financeiras do PT. Reitera a menção à quantia de US$ 40 milhões a US$ 50 milhões, mas garante não ter dado dinheiro:
- Somos administradores de fundos, não seria possível atender a esse pleito.
Em outra parte da audiência na CCJ, Dantas diz que foi chamado pelo ex-ministro José Dirceu (PT-SP) para uma reunião no Palácio do Planalto. Dirceu afirmou que o governo desejava resolver a disputa entre o Opportunity e os fundos de pensão pelo controle da Brasil Telecom. E que o ex-presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, iria tratar do assunto em nome do governo. No encontro, Cássio Casseb teria dito ao banqueiro para abrir mão do controle da Brasil Telecom. Declaração de Daniel Dantas:
- Perguntei o que receberia em troca. Ele disse: “Nada”. O tom do Delúbio não era de intimidação, ao contrário do Casseb, nitidamente intimidatório.

Apesar da crise, a agência Duda Mendonça Propaganda cresceu mais de 100% entre 2004 e 2005. Passou da 22ª para a 16ª posição no ranking das maiores do País. O faturamento passou de R$ 75,8 milhões para R$ 158,4 milhões. Os dados são do jornal Meio&Mensagem, com base em pesquisa Ibope/Monitor. Só de janeiro a abril de 2006, o faturamento da agência atingiu R$ 74,6 milhões, graças às despesas de propaganda efetuadas pela Petrobras.
Dia 395
12/6/2006 A Secretaria de Previdência Complementar, do Ministério da Previdência Social, autua três ex-dirigentes do Nucleos, o fundo de pensão dos funcionários das estatais nucleares.Paulo Figueiredo, Gildásio Amado Filho e Abel de Almeida foram acusados de irregularidades na gestão de recursos. As multas variam de R$ 60 mil a R$ 100 mil. Os dois primeiros teriam tido as nomeações no fundo de pensão chanceladas pelo petista Marcelo Sereno.
O próprio fundo apresentou denúncia-crime contra os três. Contabilizou R$ 40 milhões de prejuízos, em aplicações suspeitas de venda e compra de títulos. Os resultados sempre redundavam em perdas para o fundo, e em lucro para terceiros. Do relatório da Secretaria de Previdência Complementar:

“A contumácia de compras efetuadas pelo preço máximo, representando um acréscimo que oscila entre 3% e 28% sobre o preço mínimo praticado no dia, além de vendas efetuadas pelo preço mínimo, ou mesmo abaixo deste, mostra que os negócios foram conduzidos com o intuito de prejudicar o Nucleos.”

Dia 396
13/6/2006 O Conselho de Ética da Câmara aprova, por 12 votos a favor e uma abstenção, a cassação do deputado José Janene (PP-PR). Ex-líder do PP, Janene foi apontado como beneficiário de R$ 4,1 milhões do valerioduto. Ele admitiu ter intermediado repasse de R$ 700 mil para pagar honorários do advogado do ex-deputado Ronivon Santiago (PP-AC). Só. Segundo Janene, o dinheiro não foi declarado porque o PT jamais apresentou documentos atestando a origem dos recursos. Do relator do caso, Jairo Carneiro (PFL-BA):
- O recebimento dos R$ 700 mil é suficiente para a cassação, como ocorreu com Pedro Corrêa, mas o recebimento de outros valores está comprovado.
Desde o início da crise política, 18 deputados federais foram acusados de envolvimento no escândalo do mensalão. Quatro renunciaram logo, para evitar a abertura de processos.

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