quinta-feira, 15 de julho de 2010

Autor do Livro: Jornalista Ivo Patarra
CAPÍTULO 6 CONTINUAÇÃO (Parte 34)


“Os dois sempre foram parceiros, numa relação de amor e ódio. Dirceu é a mão-de-ferro que Lula utilizou para controlar o PT, chegar ao poder e governar o País sem ter de comprometer sua imagem de mito. E Lula é a liderança popular que Dirceu nunca conseguiu ser e usou para se realizar como autoridade.”

“Os dois são cara e coroa, com o perdão do chavão. Se um é culpado, como tudo leva a crer, outro também é. Ambos merecem a punição.”
Em editorial, o jornal argumenta que “o presidente Lula poderia não saber dos detalhes, mas dificilmente desconheceria por inteiro as gravíssimas situações que foram reveladas à sociedade brasileira”:
“A cassação do mandato do deputado José Dirceu é um item relevante da conta paga pelo governo petista para defender o presidente da República de acusações que pudessem desaguar na abertura de um processo de impeachment. Se coube ao ex-tesoureiro Delúbio Soares assumir a responsabilidade operacional sobre os desvios cometidos, foi reservado a Dirceu o papel de arcar com a responsabilidade política.”
Dia 202
1/12/2005 A Petrobras prorroga contrato com o publicitário Duda Mendonça. Quase quatro meses após Duda Mendonça admitir que recebera R$ 10,5 milhões por meio do caixa 2 do PT na offshore Dusseldorf, nas Bahamas, em pagamento por serviços prestados à campanha eleitoral que elegeu Lula em 2002, a Petrobras anuncia a prorrogação de contratos de publicidade no valor de R$ 212 milhões anuais. Os serviços continuarão a ser prestados pelo mesmo pool de agências, o que inclui a Duda Mendonça Associados. Caberá ao marqueteiro administrar R$ 63 milhões até o fim do primeiro governo Lula.
O Jornal Nacional, da TV Globo, noticia que o INC (Instituto Nacional de Criminalística, da Polícia Federal) constatou que as agências de publicidade DNA Propaganda e SMPB Comunicação, do empresário Marcos Valério, imprimiram 80 mil notas fiscais falsas. O laudo do INC destaca três notas supostamente frias, emitidas para a Visanet em 2003 e 2004. Trazem valores de R$ 35 milhões, R$ 23,3 milhões e R$ 6,4 milhões. Do laudo:
“Várias dessas notas foram utilizadas para dar suporte a recebimento de recursos de empresas como o Banco do Brasil, a Eletronorte e como o Ministério do Trabalho”. E mais:
“Manipularam, falsificaram e alteraram registros e documentos, de modo a modificar os registros de ativos, de passivos e de resultados; omitiram milhares de transações nos registros contábeis; realizaram registros de transações sem comprovação ou as simularam; e aplicaram práticas contábeis indevidas”.
Um escândalo.
Outro fato grave: a DNA usou nota fiscal fria, de R$ 12 milhões, como se a tivesse sido emitido à Eletronorte, para justificar a obtenção de empréstimo no mesmo valor junto ao BMG. Para o relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), é difícil prender Marcos Valério:
- Acho que ele tem absoluta confiança na impunidade desse País e espera o processo que, com bons advogados, vai acabar nas calendas. É difícil falar que Marcos Valério, que tem meios, recursos e força, responderá pelo que fez.

Em depoimento à CPI dos Bingos, o advogado Walter Santos Neto enfrenta dificuldades para explicar como gastou R$ 5 milhões, dinheiro transferido pela multinacional Gtech à MM Consultoria Jurídica. A empresa é suspeita de intermediar pagamento de propina a grupos ligados ao governo, por ocasião da renovação do contrato de R$ 650 milhões entre a Caixa Econômica Federal e a Gtech. Importante salientar o nome de outro advogado, sócio de Walter Santos Neto na MM, na época do depósito de R$ 5 milhões: Marcelo Coelho de Aguiar, ex-assessor da Secom, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, que foi comandada pelo ministro Luiz Gushiken (PT-SP).
Em seu depoimento, protegido por habeas-corpus para não ser preso, Walter Santos Neto alega sofrer de distúrbio chamado de “compulsão ou disfunção do gasto”, para justificar as despesas que fez com o dinheiro. Segundo ele, os R$ 5 milhões foram pagamento por ação junto ao Superior Tribunal de Justiça:

- Posso dizer que a motivação que sempre tive em relação ao dinheiro vem de uma deformação de minha personalidade, a necessidade de ver o dinheiro, de se sentir com o poder.

Em resumo: foi isso que, segundo ele mesmo, o levou a sacar em espécie uma das transferências da Gtech, de R$ 650 mil, e levar o dinheiro para casa, dentro de carro-forte, “para gastar depois”. E assim a dinheirama se foi, em restaurantes, vinhos, viagens, presentes e em doações para amigos.

- Minhas despesas são chocantes, gasto com frivolidades. Sou uma pessoa doente e comecei a fazer tratamento psiquiátrico.

Acredite se quiser.

Depoimento ao Conselho de Ética da Câmara. O deputado João Magno (PT-MG) afirma possuir notas fiscais para justificar gastos relacionados aos R$ 426 mil que admite ter recebido de Marcos Valério. O dinheiro foi empregado, assegura, no pagamento de despesas das campanhas eleitorais de 2002 e 2004.
João Magno nega ter feito uso de caixa 2. E dá a seguinte explicação para o fato de só ter incluído os R$ 426 mil na prestação de contas de campanhas eleitorais após a eclosão do escândalo do mensalão:
- Reconheço que perfeito não sou. Alguma anomalia o processo teve, mas não admito ter feito caixa 2.
João Magno trata de responsabilizar o ex-tesoureiro Delúbio Soares:

- Ele teve dificuldade de mostrar como arrecadou os recursos. Para mim, era um dinheiro do partido.

Dia 205

4/12/2005 O caso Coteminas. O jornal Folha de S.Paulo informa que o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda) identificou depósito de R$ 1 milhão, em dinheiro, em nome do PT, na conta bancária da Coteminas (Companhia de Tecidos Norte de Minas), cujo dono é o vice-presidente da República, José Alencar (PLMG).

A operação não apareceu na quebra de sigilo bancário das 16 contas atribuídas ao PT, em seis instituições financeiras. Suspeita-se de caixa 2. O PT contraíra dívida de R$ 12 milhões junto à Coteminas, em troca do fornecimento de 2,7 milhões de camisetas, distribuídas como brinde de campanha nas eleições de 2004.

As repórteres Renata Lo Prete e Marta Salomon relatam que o PT ficara de pagar as despesas em três parcelas, até janeiro de 2005, mas não honrou nenhuma. O primeiro pagamento, o R$ 1 milhão detectado pelo Coaf, só foi feito em 17 de maio. E também foi só. O jornal entrevista Josué Gomes da Silva, filho do vice-presidente José Alencar e presidente da Coteminas. Ele afirma ter recebido o dinheiro em “cash”, trazido por uma senhora:
- Era dinheiro do PT. Eu não tinha por que pensar diferente.
O novo tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, diz que a operação não foi contabilizada pelo partido:
- Não há nada dessa natureza registrado. Nenhum pagamento de R$ 1 milhão à Coteminas.
Dia 206
5/12/2005 O vice-presidente da República, José Alencar (PL-MG), concede entrevista para informar que Marice Corrêa de Lima, coordenadora administrativa do PT, foi a senhora encarregada de levar o pacote com R$ 1 milhão, em dinheiro vivo, ao escritório da Coteminas, em São Paulo. A soma foi depositada em conta bancária do Bradesco.
Declaração do vice de Lula:
- Como, normalmente, os partidos políticos recebem de doadores ou coisa que o valha, e nós não temos nada com isso, recebemos em dinheiro e depositamos. Não existe nada na legislação brasileira que impeça o cidadão de vender uma mercadoria e receber na moeda do País. O caixa 2 não afetou em nada o procedimento da companhia. A Coteminas não tem nada com isso.
Denunciados os envolvidos no escândalo da cueca. O Ministério Público Federal conclui que eram propina os US$ 100 mil escondidos na cueca do assessor do PT do Ceará, José Adalberto Vieira da Silva, e os R$ 200 mil transportados por ele numa maleta. Ele foi preso ao tentar embarcar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. O dinheiro seria um acerto do contrato de R$ 300 milhões entre o BNB (Banco do Nordeste do Brasil) e o consórcio Alusa/STN (Sistema de Transmissão do Nordeste) para construir uma linha de transmissão de energia elétrica entre Teresina e Fortaleza.
José Adalberto Vieira da Silva trabalhava como assessor do deputado José Nobre Guimarães (PT-CE), irmão do então presidente nacional do PT, José Genoino (SP). O deputado cearense também vai responder ação judicial. Para o Ministério Público, o ex-assessor especial da presidência do BNB, Kennedy Moura Ramos, do grupo do deputado José Nobre Guimarães, foi o intermediário do negócio. Ele será acionado por improbidade administrativa.
O Conselho de Ética da Assembleia Legislativa do Ceará aprova o encaminhamento do pedido de cassação do mandato de José Nobre Guimarães. Ele admitiu ter recebido R$ 250 mil do valerioduto. A decisão não tem nada a ver com o caso da prisão do assessor José Adalberto Vieira da Silva, um outro processo. De qualquer forma, Guimarães não seria cassado.
A complicada rede em que trafega o dinheiro. Relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda) implica distribuidoras de títulos que obtiveram lucros milionários negociando com fundos de pensão no escândalo do mensalão.
O esquema escancarado é o do Prece, o fundo de pensão da empresa de saneamento do Rio de Janeiro. Operações supostamente lesivas teriam contado com a participação dos deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Carlos Wilian (PTC-MG).

De acordo com auditoria da Secretaria de Previdência Complementar, do Ministério da Previdência Social, a Laeta DTVM e a Euro DTVM teriam ganhado cerca de R$ 5 milhões durante o governo Lula, em operações cujos prejuízos de igual valor sobraram para o Prece.
A Laeta e a Euro manteriam conexão com as empresas Bônus-Banval e Guaranhuns. Ambas são investigadas por transações com dinheiro de caixa 2, repassado para políticos da base aliada do Governo Federal.

Conforme documentação do Coaf, outra empresa, a Natimar, recebeu transferência de R$ 525 mil da Euro. A Natimar depositou R$ 275 mil na RS Administração, uma offshore localizada no Panamá. A mesma RS teria recebido R$ 3,1 milhões em operação que envolveu a 2S Participações, de Marcos Valério, em triangulação que passou pela Bônus-Banval e também teria envolvido a presidente do Banco Rural, Kátia Rabelo.

O intrincado caminho do dinheiro: o Coaf apurou que a Laeta e a Guaranhuns são ligadas ao doleiro Lúcio Bolonha Funaro. Empresa tida como dele, a Royster Serviços, teria transferido R$ 5,5 milhões para a offshore RS, no Panamá, em 2004. A Erst Banking Empreendimentos, outra empresa de Funaro, movimentou R$ 25,5 milhões entre setembro de 2003 e março de 2004, em conta do extinto BCN, banco comprado depois pelo Bradesco.
Dia 207
6/12/2005 O caso Coteminas: Delúbio Soares vem a público assumir a responsabilidade sobre tudo. Em nota divulgada por seu advogado, o ex-tesoureiro do PT afirma que o R$ 1 milhão entregue à Coteminas fazia parte da reserva de caixa 2 do partido, alimentado por Marcos Valério. No dia em que o escândalo foi divulgado, Delúbio sugerira que o dinheiro não tinha origem nos repasses de Valério. Diz a nota com a nova versão de Delúbio:
“Quando perguntado sobre esse pagamento, lembrei-me de sua ocorrência, mas me equivoquei, achando que tinha sido feito com recursos contabilizados. Na verdade o pagamento foi feito em espécie, com dinheiro que tinha origem nos empréstimos feitos por Marcos Valério ao Partido dos Trabalhadores. Trata-se de parte do valor que, daqueles empréstimos, foi reservado para despesas do Diretório Nacional do partido.”
Muito bem. Digamos que o R$ 1 milhão entregue à Coteminas era mesmo parte dos tais R$ 55,8 milhões atribuídos ao caixa 2. O último dinheiro desse esquema, conforme a versão do próprio Delúbio e de Valério, havia sido repassado ao PT em 1º de outubro de 2004.
Difícil acreditar que R$ 1 milhão estivesse guardado no cofre do PT, por mais de sete meses, até o pagamento à Coteminas, em maio de 2005. E, se estivesse mesmo guardado e disponível no cofre, não haveria explicação para o PT não ter quitado anteriormente parte da mesma dívida junto à Coteminas, uma vez que os compromissos assumidos com a empresa teriam vencido entre novembro de 2004 e janeiro de 2005.
Tampouco tem nexo afirmação de Delúbio, parte da mesma nota, segundo a qual “novas dificuldades financeiras” teriam impedido que as parcelas fossem “honradas na forma acordada”. Ora, se o dinheiro já estava em caixa, as parcelas poderiam ter sido honradas, sem problemas. Gustavo Fruet (PSDB-PR), sub-relator da CPI dos Correios, irrita-se com Delúbio:
- Juridicamente, a nota pode evitar questionamentos, tiveram tempo para prepará-la.
Mas, politicamente, é um desastre. É uma ofensa à inteligência, mais uma história inverossímil na sucessão de histórias inverossímeis.

Marcos Valério procura não se envolver com a versão de Delúbio Soares:

- Não posso falar que ele está mentindo ou falando a verdade. O dinheiro era do Delúbio, não sei o que ele fez com ele.

O novo tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, parece se esquecer que Marice Corrêa de Lima, coordenadora administrativa do PT e responsável pela entrega do R$ 1 milhão, assinou recibo emitido pela Coteminas. Ao ser entrevistado, Paulo Ferreira diz que ela “cumpriu ordens, nem sabia o que estava levando”. Em seguida, corrige-se:

- Pode não ter sabido, entendeu?

O presidente da Coteminas, Josué Gomes da Silva, filho do vice-presidente José Alencar (PL-MG), dá risada ao ser informado de que dirigentes do PT não reconheciam a transação:

- Claro que eles sabiam. Eles que pagaram.

Do jornalista Fernando de Barros e Silva, no jornal Folha de S.Paulo:

“Quantos milhões ‘não contabilizados’ ainda estarão escondidos sob as desculpas esfarrapadas de Delúbio Soares? E quanto custam o silêncio e os contos de fada do ex-tesoureiro?

E quem paga por eles?”

“Delúbio se tornou uma espécie de lixo atômico para o governo e para o PT. É o culpado por tudo, aquele que está sempre disposto a assumir tudo sozinho, mas ao mesmo tempo não pode ser imolado, precisa ser preservado a qualquer custo. A situação é esquizofrênica, mas a equação é simples: se ele explodir (ou falar a verdade), o governo implode, vem abaixo.”

O jornalista acrescenta:

“Em condições normais, o milhãozinho que saiu do PT e – ninguém sabe, ninguém viu – foi parar na conta da Coteminas seria suficiente para fazer ruir qualquer governo. Paradoxalmente, Lula e o PT se beneficiam da miríade de falcatruas, da profusão de denúncias, do excesso de bandalheira revelada ao País. É como se cada nova história anulasse o efeito corrosivo das anteriores, sucessivamente, numa espécie de jogo entorpecente de soma zero.”

A CPI dos Correios divulga relatório que aponta supostas perdas de R$ 784 milhões de 14 fundos de pensão, em operações realizadas junto à BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros) e com títulos públicos. O documento relaciona corretoras e pessoas físicas que tiveram lucros milionários com os negócios. Do deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA):

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