sexta-feira, 16 de julho de 2010

Autor do Livro: Jornalista Ivo Patarra
CAPÍTULO 6 CONTINUAÇÃO (Parte 35)


- O que interessa à CPI são as recorrências, os resultados negativos sistemáticos e contínuos,  com os fundos perdendo e os mesmos beneficiários ganhando sempre.

As perdas ocorreram em operações de compra e venda de contratos futuros e títulos públicos. Os fundos teriam comprado por preços acima dos praticados no mercado, e depois vendido por menos. A comissão investiga se a diferença significou prejuízos, se foram intencionais e desviados para fins políticos.

De acordo com o levantamento, entre os mais prejudicados aparecem o Prece, fundo de pensão dos funcionários da empresa de saneamento do Rio. Acumulou perdas de R$ 309 milhões. A Sistel, fundo das empresas de telecomunicações, teria amargado saldo negativo de R$ 154 milhões. A Petros, ligada à Petrobras, teve perdas de R$ 65 milhões. E a Funcef, da Caixa Econômica Federal, outros R$ 50 milhões negativos.
Na outra ponta, os eventuais beneficiados. Suspeita-se que parte do dinheiro pode ter sido remetida para o exterior. Entre as corretoras, as que mais ganharam, de acordo com o relatório, são a Laeta, Novinvest e Cruzeiro do Sul, com, respectivamente, R$ 55,3 milhões, R$ 30,7 milhões e R$ 26,4 milhões. A comissão quer identificar quem lucrou de maneira ilegal.
Depoimento à CPI dos Bingos. Mara Gabrilli confirma a reunião com o presidente Lula, na casa do presidente da República, em São Bernardo do Campo (SP), em março de 2003.
Na ocasião, ela relatou pressões contra a empresa de ônibus Expresso Guarará, de sua família, por conta do esquema de corrupção montado na Prefeitura de Santo André (SP).
Mara Gabrilli conta aos senadores ter denunciado a Lula que a empresa era obrigada a pagar propina para operar em Santo André, governada pelo PT. Ela apontou a Lula o nome das pessoas que considerava responsáveis pelo esquema: o então secretário municipal Klinger Luiz de Oliveira (PT), o empresário Ronan Maria Pinto e o ex-segurança do prefeito Celso Daniel (PT), Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”.

De acordo com Mara Gabrilli, Lula se virou para os três assessores que o acompanhavam no encontro e disse assim:

- Nossa, eu achei que o Sérgio Gomes já estava muito longe.

Afirmação de Mara Gabrilli:

- Eu falei ao presidente sobre o pagamento da caixinha que meu pai era obrigado a fazer a cada dia 30. E falei da retaliação imposta à empresa desde que eu e minha irmã, Rosângela, denunciamos o fato ao Ministério Público.

Lula prometeu tomar providência e dar uma resposta. Não foi o que ocorreu:

- Aconteceu justamente o contrário. Klinger soube, reclamou, e dias depois uma comissão de sindicância da Prefeitura se instalou na nossa empresa.

Em depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, o deputado Josias Gomes (PT-BA) confessa ter recebido R$ 50 mil das mãos de Delúbio Soares e sacado outros R$ 50 mil no Banco Rural, para quitar despesas eleitorais. O dinheiro, segundo ele, foi repassado para três candidatos a deputado estadual na Bahia, todos derrotados nas eleições de 2002. Diz Josias Gomes:
- Como poderia imaginar que ali estivesse sendo operado o esquema que saiu na imprensa?
Involuntariamente, fui envolvido em algo que não sabia. Jamais ouvira falar em Marcos Valério.
Dia 208
7/12/2005 Depoimento à CPI dos Correios. Henrique Pizzolato, ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, responsabiliza o ex-ministro Luiz Gushiken (PT-SP) e o ex-presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, pelo adiantamento à agência DNA, de Marcos Valério, de R$ 73,8 milhões de verbas de publicidade do Banco do Brasil destinadas à Visanet. Os procedimentos ocorreram em 2003 e 2004. De acordo com investigação da comissão de inquérito, R$ 10 milhões acabaram irrigando o caixa 2 do PT.
Henrique Pizzolato afirma ter sido procurado a primeira vez por um diretor e um gerente do Banco do Brasil, com o pedido de autorização para uma nota técnica que assegurava repasse adiantado de R$ 23,3 milhões para a DNA. O ex-diretor relata ter consultado Luiz Gushiken a respeito:
- O Gushiken disse: “Assina que não há nenhum problema”. Entendi aquilo como uma ordem. Eu não ia questionar o ministro.
Luiz Gushiken foi afastado da Secom, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, durante o escândalo do mensalão. Recorde-se que o ex-ministro não se desligou do governo. Lula nomeou-o chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos. Reação dele à afirmação de Henrique Pizzolato:

- O Pizzolato é confuso por natureza. O fato é que eu nunca soube sobre antecipação de pagamentos para a DNA.

Dia 209
8/12/2005 Em depoimento à CPI dos Bingos, Carlos Roberto Godinho, ex-superintendente do Banco Rural, confirma informações prestadas à revista Época. Segundo ele, os empréstimos do Banco Rural a Marcos Valério, em fevereiro e setembro de 2003, num total de R$ 28,8 milhões, foram operações “de fachada”, ou negócios “feitos para não serem pagos”, com a finalidade estratégica de “maquiar” outras fontes de recursos.
Carlos Godinho explica que as suspeitas sobre as operações de crédito vêm da renovação desses empréstimos a cada 90 dias, sem que Marcos Valério pagasse os valores devidos.

Detalhe: havia dinheiro nas contas correntes de Marcos Valério no próprio Banco Rural, que poderia ser usado para pagar os empréstimos. Já o Banco Rural, por sua vez, não fez provisionamentos, ou seja, reservas de recursos para cobrir eventuais prejuízos, uma exigência do Banco Central. Carlos Godinho também acusa o Banco Central de ter sido complacente com as supostas irregularidades. Diz Carlos Godinho:

- O fato de quantias astronômicas de Valério passarem pelo banco e não serem pagos os empréstimos mostra que eles foram feitos para não ser pagos.

Outro fator que levantou suspeitas: movimentações em contas da SMPB e da Grafitti, ambas ligadas a Marcos Valério, eram pelo menos dez vezes superiores ao faturamento declarado das empresas. Os saques efetuados por ambas, sempre em valores altos, eram muitas vezes em dinheiro vivo.
Suspeito, ainda, o Banco Rural, cliente da agência SMPB, pagar regularmente as campanhas publicitárias, apesar de supostamente a agência estar inadimplente com o banco. Em contrapartida, segundo Carlos Godinho, o Banco Rural teria sido beneficiado por aplicações financeiras de fundos de pensão, patrocinadas por empresas estatais. E isso compensaria a parceria.
Depoimento ao Conselho de Ética da Câmara. José Nilson dos Santos, ex-assessor do deputado Professor Luizinho (PT-SP), procura inocentar o parlamentar de envolvimento com um saque de R$ 20 mil do valerioduto. Segundo ele, a retirada foi de sua responsabilidade e autorizada por Delúbio Soares, um velho conhecido. Ao defender-se, porém, Luizinho admitira ter sondado Delúbio Soares sobre a possibilidade de receber R$ 20 mil, para o que alegou ser a campanha de pré-candidatos a vereador, em 2003. Mesmo sem querer, José Nilson Santos implica o deputado no saque:

- Havia consultado Luizinho sobre o dinheiro e ele disse que isso não era com ele, mas com o PT. Então, por conta própria, procurei o Delúbio.
Luizinho sabia.
Dia 210
9/12/2005 Em depoimento à Polícia Federal, Delúbio Soares é questionado sobre o R$ 1 milhão usado para pagar parte de dívida do PT junto à Coteminas. Segundo o ex-tesoureiro, o dinheiro estava guardado em cofre na sede nacional do partido, em São Paulo. Delúbio diz que o dinheiro ficava no cofre porque não fazia parte da contabilidade oficial do PT. Do relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR):
- Ninguém acredita que ele tenha guardado R$ 1 milhão em espécie durante quase um ano, enquanto diuturnamente era abordado por credores.
Em entrevista à revista Carta Capital, Lula acusa setores oposicionistas de estarem “tentando fazer golpismo”. A Folha de S.Paulo publica o editorial “Fantasia Golpista”: “Hoje seria preciso um grau de alheamento descomunal para não perceber que a crise foi gerada pelo próprio governo, pelo PT e por aliados, que se enredaram em trama de corrupção cujas características e dimensões poderiam perfeitamente estimular a oposição a se empenhar em abrir processo de impeachment do presidente. Ressalte-se que o impeachment não é uma aventura golpista, mas um instrumento previsto na Constituição”.
Dia 213
12/12/2005 A CPI dos Correios desvenda mais um tentáculo do caso Visanet. Recapitula-se uma das operações do esquema: R$ 34,8 milhões saíram do Banco do Brasil em 12 de março de 2004, sob pretexto de adiantamento de verbas de publicidade para a DNA. O dinheiro foi depositado numa aplicação da agência de Marcos Valério no Banco do Brasil e, de lá, saíram R$ 10 milhões para o BMG. Em seguida, os R$ 10 milhões foram usados formalmente para empréstimo à empresa Tolentino Associados, ligada a Valério. Esse dinheiro alimentou o caixa 2 do PT.
Aqui, entra a descoberta: uma transferência da Tolentino Associados pôs R$ 3,4 milhões na corretora Bônus-Banval, enquanto a 2S Participações, outra empresa de Valério, transferiu um total de R$ 3,2 milhões para a Bônus-Banval, cujo dinheiro era operado por outra corretora, a Natimar, ligada ao doleiro Najun Turner. E a Natimar foi a responsável pela transferência de R$ 578 mil para uma conta do Rural International Bank, da offshore Discovery SPL, um braço do Banco Rural nas Bahamas.
A Secretaria de Previdência Complementar, do Ministério da Previdência Social, autua Paulo Figueiredo, ligado ao PC do B e ex-presidente da Nucleos, o fundo de pensão das empresas estatais de energia nuclear. Ele é acusado por irregularidades cometidas durante o governo Lula. Figueiredo e dois ex-diretores da Nucleos haviam sido denunciados por causar prejuízos ao fundo.
Numa das operações, houve perdas avaliadas em R$ 7,1 milhões em aplicações no Banco Santos, que posteriormente sofreu intervenção do Banco Central. Teria havido imperícia e imprudência dos dirigentes da Núcleos. Outro suposto prejuízo, também da ordem de R$ 7 milhões, foi decorrente de operação na BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros). Faltariam análises prévias dos riscos envolvidos. As suspeitas vieram da baixa rentabilidade apresentada pelo fundo. Auditoria externa apontou prejuízos de até R$ 22,7 milhões em operações da Nucleos com títulos públicos, em 2004 e 2005.
Dia 214
13/12/2005 Em depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, o deputado Wanderval Santos (PL-SP), acusado de receber R$ 150 mil do valerioduto, responsabiliza o ex-deputado Carlos Rodrigues (PL-RJ) pelo saque. Wanderval Santos admite ter sido sócio de Carlos Rodrigues em empresas radiofônicas. Carlos Rodrigues renunciou ao mandato de deputado federal em consequência do escândalo do mensalão. Segundo Wanderval, o saque foi efetuado por seu motorista, a mando de Carlos Rodrigues, em dezembro de 2003. Wanderval reitera que Rodrigues tinha ingerência sobre assuntos de deputados ligados à Igreja Universal do Reino de Deus. Diz Wanderval:
- Ele não era somente nosso orientador político, mas nosso orientador espiritual. Nunca pensamos que pudesse usar nossos funcionários para se locupletar pessoalmente.

Dia 215
14/12/2005 A Câmara dos Deputados absolve o primeiro mensaleiro, cuja cassação fora recomendada pelo Conselho de Ética. Trata-se do deputado Romeu Queiroz (PTB-MG), acusado de mandar um assessor sacar R$ 350 mil do esquema de Marcos Valério, e de ter recebido outros R$ 102 mil, “não-contabilizados”, da empresa siderúrgica Usiminas, por intermédio da SMPB, agência de publicidade de Marcos Valério.
Em votação secreta, Romeu Queiroz obtém vitória folgada, com 250 votos contra a cassação. Outros 162 deputados votam pela perda do mandato. Há 22 abstenções, oito votos brancos e um nulo. Em sua defesa, Romeu Queiroz afirma que os R$ 350 mil foram retirados sem o seu conhecimento. Sobre a contribuição da Usiminas, alega ter sido usada integralmente para financiar campanhas eleitorais do PTB em Minas Gerais, em 2004. Diz Queiroz:
- O dinheiro teve doador certo, o PT. E teve destino certo, o PTB. Não me apropriei de qualquer centavo desses recursos.
Durante os trabalhos de convencimento dos deputados, o ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG), instalou-se na liderança do PTB na Câmara dos Deputados.

Disparou telefonemas e pediu votos para Romeu Queiroz. Pelo que fez, recebeu o apelido de Papai Noel dos mensaleiros. Absolvido, Romeu Queiroz concede entrevista:

- O meu trabalho foi individualizado, conversei com cada deputado. A grande maioria do PT votou comigo, contei 50 votos.

Para a jornalista Dora Kramer, de O Estado de S. Paulo, aceitar o caixa 2 significa “acolher a lavagem de dinheiro no mundo da legalidade”:

“Mais que tolerância com o crime de corrupção, a absolvição do deputado Romeu Queiroz – receptor assumido do dinheiro de origem ilícita do valerioduto – significou a instituição da vilania como norma de conduta na Câmara dos Deputados”.

Para a jornalista, a Câmara dos Deputados, transformada num “poder amoral”, “não exibiu embaraço em defender o indefensável; não guardou resquício de poder nem teve pejo de absolver o infrator contra a evidência da própria confissão, como se dissesse: a partir de agora, estejam todos autorizados a se envolver com operações financeiras suspeitas porque ao dono de mandato eletivo tudo é permitido. Locupletem-se, portanto, à vontade”.
Em editorial, o jornal O Estado de S. Paulo afirma que “a vitória de Queiroz convinha a Lula – que vive dizendo que o mensalão nunca ficou provado, não vê a hora de acabarem as denúncias e as apurações e só tem a ganhar quando os políticos são vistos como os pizzaiolos”.
O jornal ironiza Queiroz:
“Sábio homem: se o PT corrompia não para enriquecer os companheiros, mas para ajudar o seu governo a melhorar o Brasil, por que deveria ele ser castigado se tampouco usufruiu egoisticamente da dinheirama?”
Em editorial, a Folha de S.Paulo condena a absolvição de Queiroz. O jornal salienta que não importa em quanto o deputado pôs as mãos nem o que fez com a soma, mas sim o fato de ter participado de prática vedada por lei”: “Com esse veredicto, os deputados estão a afirmar que não há nada de errado com a utilização do caixa 2, prática que encobre uma série de crimes, entre os quais a sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção. Se o deputado que assumidamente recebe numerário ilegal não quebra o decoro parlamentar, é difícil imaginar o que possa romper a dignidade da Casa, que, aos olhos do público, vai cada vez mais se assemelhando a um antro de espertalhões”.

Dia 219
18/12/2005 Em entrevista ao repórter Paulo Celso Pereira, do Jornal do Brasil, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) afirma ter sido traído pelo presidente Lula no episódio da fita que mostrou Maurício Marinho, alto funcionário dos Correios, recebendo propina:
- Fui a vários ministros dizer: “Está tendo o mensalão”. Fiz várias vezes. Aí surge a história do Maurício Marinho recebendo R$ 3 mil, numa plantação que a Abin fez para tentar colocar um crime na minha vida e na do PTB.

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