terça-feira, 29 de junho de 2010

Autor do Livro: Jornalista Ivo Patarra
CAPÍTULO  6 CONTINUAÇÃO (Parte 18)


Valdemar Costa Neto profere discurso da tribuna na Câmara dos Deputados. Recebeu, sim, dinheiro do valerioduto, apesar de ter negado anteriormente. Todo o dinheiro do caixa 2 do PT foi usado, segundo ele, para pagar despesas de campanhas eleitorais. Não houve mesadas a deputados:
- Fui induzido ao erro quando aceitei receber recursos destinados à campanha, sem a devida documentação que oficializasse a doação.
O patrimônio de Valdemar Costa Neto, conforme declaração apresentada por ele ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) em 2002: R$ 2,9 milhões. Em Mogi das Cruzes (SP), base eleitoral de Valdemar, ele é conhecido como “Boy”. De Frederico Augusto, irmão de Valdemar, ao repórter José Maria Mayrink, do jornal O Estado de S. Paulo:

- Não entendo como o Boy tem tantos bens, pois nosso pai morreu pobre e não deixou quase nada para os filhos.
Em Brasília, o discurso de renúncia do presidente do PL. Menção ao PT:
- Não tínhamos razões para suspeitar da origem dos recursos que recebíamos. Em nenhum
momento poderíamos colocar sob suspeita as ações de um partido aliado que, junto conosco, venceu as eleições.

O presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), elogia Valdemar Costa Neto. Severino falou exatamente desse jeito:

- Não posso deixar de ressaltar a prova da dignidade da maneira correta como vossa excelência agiu para engrandecer o mandato popular, que espero que São Paulo faça de volta.

Daria certo. Valdemar seria reeleito deputado federal em 2006. E o PL, chamuscado pelo escândalo do mensalão, viraria PR (Partido da República). Valdemar continuou forte nos bastidores, durante o segundo mandato de Lula.

Dia 81
2/8/2005 José Dirceu (PT-SP) e Roberto Jefferson (PTB-RJ) enfrentam-se em sessão do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Um duelo com ofensas, denúncias para todos os lados e muita ironia. Dirceu trata de proteger Lula, minimizando a influência que teve no governo do presidente. Jefferson rouba a cena. Eis as intervenções de Dirceu, retrucadas por Jefferson:
- Tenho consciência da tragédia que se abateu no PT. Sei da gravidade dos erros que setores da direção do PT cometeram na campanha de 2004, mas quero repetir que só respondo pelo que decidi, participei e autorizei.
- Tratei de todos os assuntos com vossa excelência, deputado José Dirceu, os republicanos e os não-republicanos. Vossa excelência nos deixava a todos à vontade para qualquer conversa, na ante-sala do presidente da República.
- O senhor se desentendeu conosco porque queria capturar vários órgãos públicos e não permitimos as nomeações.
- Falei do mensalão para o todo-poderoso José Dirceu, hoje humilde, ele deu um soco na mesa e disse: “Não pode, o Delúbio não está autorizado”.

- No caso de se comprovar que o mensalão é realidade, quem vai decidir isso é a Justiça.

Por enquanto é um indício, não uma certeza.

- O José Genoino era o vice-presidente do PT. O presidente de fato era José Dirceu.
Tudo tinha de ser fechado e homologado depois na Casa Civil, pelo José Dirceu.
- Não é fato. Não é verdade.

- O acordo da Bahia foi fechado na Casa Civil. O acordo de São Paulo, o do Paraná que envolvia a nomeação em Itaipu, foi fechado na Casa Civil.

- Não posso ser prejulgado, transformado, como fez o deputado Roberto Jefferson, no chefe de quadrilha ou no chefe do maior esquema de corrupção no País.

- Foi o maior tráfico de influência, a maior corrupção política que eu já vi por parte de um partido. O braço desse partido no governo é vossa excelência.

- O falecido presidente Martinez recebeu R$ 1 milhão do Marcos Valério. Se esses saques são para o mensalão, como diz o deputado Roberto Jefferson, o PTB também recebeu.

- O senhor acusou um homem que não pode se defender, mas eu vou fazer isso por ele. O Martinez me mostrou que havia recebido do PT R$ 1 milhão para pagamento de programas de televisão de campanha, que são caríssimos.

- Jamais propus para qualquer deputado, deputada, senador, senadora, para qualquer presidente de partido, qualquer proposta que não fosse lícita, republicana.

- Não tem mensalão no Brasil. É conversa da imprensa, todos os jornais mentem, todas as revistas mentem. Os gestos do Delúbio não são de conhecimento de vossa excelência. As atividades de Marcos Valério, que foi 12 vezes à Casa Civil, vossa excelência não viu, não.

Comentário da jornalisa Dora Kramer, de O Estado de S. Paulo:

“Quem ouvisse pela primeira vez pensaria tratar-se do ministro da Pesca, não do chefe da Casa Civil, poderosíssimo, comandante de uns, integrante de outros e influente em todos os grupos de trabalho governamentais, participante ativo e explícito dos atos do PT nesse período.”
Do jornalista Clóvis Rossi, da Folha de S.Paulo:

“Que diabo de político mambembe é esse que, tendo participado do alto comando petista por 12 anos, não percebeu que os seus colegas eram capazes de praticar ‘atos’ capazes de gerar o que o próprio Dirceu chamou de ‘tragédia’ do PT?”

Rossi acrescentou: “É, diga-se, o mesmo dirigente político que conviveu durante 13 anos com um certo Waldomiro Diniz e, ainda assim, foi incapaz de notar nele qualquer tendência delinquencial, a ponto de levá-lo para o coração do governo, posição a partir da qual negociava com delinquentes”.
Roberto Jefferson denuncia: José Dirceu, com o conhecimento e o aval de Lula, articulou uma viagem de Marcos Valério e Emerson Palmieri, tesoureiro do PTB, a Lisboa. O objetivo: negociar a captação de recursos junto à Portugal Telecom, para conseguir “fundos” e pagar dívidas de campanha do PT e do PTB. O ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG), segundo Jefferson, foi quem pediu socorro ao presidente da República.
O PTB precisava de dinheiro. Nasceu a operação Portugal Telecom.
Fatos denunciados: Valério e Emerson Palmieri voaram de primeira classe para a capital portuguesa, em 24 de janeiro de 2005, a fim de se encontrar com representantes do Banco Espírito Santo e com o ministro de Obras Públicas de Portugal, Antonio Mexia, que mantinha ligações com banqueiros. Valério queria se meter numa transferência de US$ 600 milhões do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil). O dinheiro estava depositado numa instituição financeira do Reino Unido e com a jogada iria para o Banco Espírito Santo. O banco é um dos principais acionistas da Portugal Telecom. A “comissão” do negócio, de R$ 100 milhões, injetaria recursos de caixa 2 para “salvar” PT e PTB. Ao final, a “solução” acabou descartada, pelo alto risco.
Reação de José Dirceu:

- Não é verdade, isso não é fato. Nunca tive relação com a Portugal Telecom, de nenhum tipo. Nem administrativa, nem funcional, nunca tratei com a Portugal Telecom, nenhuma matéria.
Reação de Marcos Valério:
- Havia o rumor de que a Portugal Telecom estava comprando a Telemig Celular. Como a minha agência DNA tinha a conta da Telemig, fui a Portugal atrás de oportunidades de negócios. Palmieri foi comigo a passeio. É amigo e estava estressado.
Emerson Palmieri iria negar, como veremos.
Reação do Palácio do Planalto: em nota oficial, admitiu as visitas de dois representantes da Portugal Telecom a Lula, em Brasília. Agenda do encontro: “novos investimentos no Brasil”. Da nota: “Em nenhum momento foi tratado qualquer assunto que não se referisse aos empreendimentos da companhia portuguesa no Brasil”.
Marcos Valério depõe à Procuradoria-Geral da República. Afirma que se encontrou três vezes com o ex-ministro José Dirceu (PT-SP), no Palácio do Planalto. Ele faz menção a contratos de gaveta, fechados com Delúbio Soares. Uma espécie de garantia para os bancos Rural e BMG, que teriam emprestado R$ 55,8 milhões ao PT.

Valério entrega cópia de documento assinado por Delúbio, dirigido ao BMG. O tesoureiro do PT assumia “o compromisso irretratável e irrevogável de garantir, como avalista e devedor solidário”, todas as operações de empréstimos firmadas com o PT e as empresas ligadas a Valério, a saber: DNA, SMPB, Graffiti e Rogério Tolentino Associados.

Os procuradores ficam intrigados. Delúbio Soares, um homem sem grandes posses, foi aceito como avalista de empréstimos milionários. O BMG também emprestou R$ 83,4 milhões às empresas de Marcos Valério, entre fevereiro de 2003 e abril de 2004.

Um momento do depoimento de Valério chama atenção: o empresário informa que R$ 4,9 milhões foram entregues, em dinheiro vivo, nas sedes do PT em São Paulo e em Brasília.

Por fim: os advogados Aristides Junqueira e Pedro Fonseca, contratados para defender o PT no caso da morte do ex-prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel (PT), receberam R$ 185 mil em recursos do chamado valerioduto. O dinheiro que pagou os advogados, portanto, não tinha nada a ver com as tais dívidas de campanha.

Cai Márcio Araújo de Lacerda (PSB-MG), secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional. Amigo do ministro Ciro Gomes (PSB-CE), era seu assessor mais importante.

Em 2002, foi coordenador financeiro da campanha de Ciro Gomes, então no PTB, à Presidência da República. Em 2008, Márcio Lacerda seria eleito prefeito de Belo Horizonte, apoiado pelo PT e pelo PSDB. O nome de Márcio Lacerda apareceu na lista do valerioduto, beneficiário de R$ 457 mil. Segundo ele, o dinheiro pagou a agência de publicidade que fez a campanha de Ciro a presidente:

- A campanha do Ciro terminou sem dívida e, no segundo turno, com o apoio à candidatura de Lula, houve uma junção das equipes na campanha do PT. O pessoal da agência New Trade, responsável pelo marketing de Ciro, integrou-se, a convite de Duda Mendonça, à campanha do PT e dos aliados nos Estados. O dinheiro foi depositado na conta da agência, não podia imaginar que tinha esse esquema todo.

O empresário Jacome Einhart, dono da New Trade, confirma e descreve o telefonema que deu ao publicitário Duda Mendonça, responsável pela campanha eleitoral de Lula:
- Liguei para o Duda e dei os parabéns pela vitória, e ele me chamou para ajudar no segundo turno.

O dinheiro do caixa 2 do PT repassado à New Trade saldou despesas da campanha de Lula à Presidência da República. Fato grave, mas sem os desdobramentos que poderiam ter ocorrido, nem as implicações merecidas.

Depoimento do ex-secretário de Segurança Nacional do governo Lula, Luiz Eduardo Soares, à CPI dos Bingos. Ele ouviu do empresário de jogos Sérgio Canozzi, em 2002, que o ex-presidente da Loterj do Rio, Waldomiro Diniz, levantava R$ 300 mil mensais de propina.
Sérgio Canozzi também teria oferecido suborno de R$ 10 milhões para a governadora do Rio, Benedita da Silva (PT), num esquema de desvio de dinheiro público. Luiz Eduardo Soares garante que denunciou a “oferta” ao secretário de Coordenação de Governo de Benedita da Silva, Marcelo Sereno, aliado de José Dirceu (PT-SP). Mais: fez três tentativas para contar o caso diretamente à governadora, mas ela desconversou. Waldomiro Diniz continuou na presidência da Loterj. Da governadora Benedita a Luiz Soares:
- Você deveria ser mais construtivo, e não ficar me trazendo mais problemas.
Dia 82
3/8/2005 A operação Portugal Telecom. Notícia do jornal Expresso, de Lisboa: o ex-ministro de Obras Públicas de Portugal, Antonio Mexia, recebeu Marcos Valério, “na qualidade de consultor do presidente do Brasil”. O encontro, em outubro de 2004, teve caráter “de cortesia”, com duração de 15 minutos. A conversa, “de circunstância”, não teve “tema específico”.
Em nota, a Presidência da República nega, “enfaticamente”. Afirma que Marcos Valério não foi autorizado a representar Lula. Mas é fato: Valério foi recebido em audiência pelo ministro José Dirceu (PT-SP), em 11 de janeiro de 2005, 13 dias antes da viagem a Lisboa, em companhia do tesoureiro do PTB, Emerson Palmieri. Para anotar: Valério foi ao encontro de Dirceu com o representante do Banco Espírito Santo no Brasil, Ricardo Espírito Santo. Ele é primo do presidente do banco, Ricardo do Espírito Santo Salgado. Dados em poder da CPI dos Correios mantêm registro de que Ricardo do Espírito Santo Salgado esteve no Brasil no fim de 2004, para jantar com Delúbio Soares.

Nenhum comentário:

Postar um comentário