quarta-feira, 16 de junho de 2010

Autor do Livro: O Jornalista Ivo Patarra
CAPÍTULO 6 CONTINUAÇÃO

A “cena de corrupção”, como definiu Miro Teixeira, tinha, segundo Jefferson, um ministro,representantes de três partidos e um diretor de departamento. Ocorreu num ministério e, na ocasião, o integrante de um partido deu dinheiro a outro, de outra legenda. Quando ouviu o relato de Jefferson, Miro Teixeira era ministro das Comunicações de Lula. Reação de
Miro Teixeira, segundo ele mesmo:
- Vamos agora ao presidente da República.
Miro Teixeira afirma que Jefferson se recusou e que, sem provas, teria sido irresponsável se encaminhasse a denúncia. O Jornal do Brasil publicou reportagem sobre o assunto em 24 de setembro de 2004. Mas Miro Teixeira, fonte da notícia, não deu sustentação posterior às informações. O caso não foi investigado pela Câmara dos Deputados.
O governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), também testemunha: aliados do governo Lula procuraram dois deputados federais goianos e ofereceram mesada para que trocassem de partido.
- Foi um assédio. Era para trocar de partido, sair do PSDB e ir para a base do governo, por uma mesada de R$ 40 mil por mês e R$ 1 milhão por ano de bônus.
O mais grave: o governador conta que relatou o caso ao presidente da República em  5 de maio de 2004, durante uma visita de Lula a Rio Verde (GO). Segundo Marconi Perillo, Lula reagiu como se não soubesse, disse que iria apurar e responsabilizou o governo passado, período no qual, conforme Lula, esse tipo de expediente teve início.
O governador não aceitou:
- Eu retruquei. Disse que estava falando do que estava acontecendo no governo atual, no governo dele.
O ministro Ciro Gomes (PSB-CE) confirma a procedência das denúncias de Roberto Jefferson:
- É fato que, há um ano, ele esteve na minha sala e, numa conversa, disse que havia um boato de que haveria essa prática de dinheiro para uma fração de parlamentares que, segundo mencionou, estavam no PL e no PP.
Para Ciro Gomes, porém, não existiam provas do esquema:
- Perguntei se ele tinha dados mais objetivos, que me obrigassem a tomar alguma atitude de levar adiante a informação. Ele não tinha.
O ministro Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG) ouviu por duas vezes os “boatos de mesadas” feitos por Roberto Jefferson. Ele confirma que testemunhou a reunião de 23 de março, da qual Lula participou:
- Ele falou no final da reunião, disse que tinha boatos sobre um mensalão, mas ficou nisso. Logo depois fomos embora.
Aqui, claramente, o ministro do Turismo, importante aliado de Jefferson, posiciona-se de forma a minimizar a denúncia e a proteger Lula. E será recompensado no segundo mandato do presidente da República, no qual ocupará, durante um período, o cargo de ministro das Relações Institucionais.
O prefeito do Rio, Cesar Maia (PFL), vem a público para dizer que somas em dinheiro eram distribuídas de forma aberta durante almoços mensais realizados em restaurantes de Brasília. Descreve que tomou conhecimento do esquema por intermédio de 15 parlamentares, com os quais conversou.
- O dinheiro chegaria em uma mala, e os pacotes eram distribuídos.
De forma reservada, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) avaliam que, em tese, Lula pode sofrer processo de impeachment, por crime de responsabilidade. O presidente da República teria prevaricado se ficar provado que, informado a respeito da existência do mensalão, não tomou providências para investigar as denúncias.
Declaração do jurista Fábio Konder Comparato, presidente da Comissão de Defesa da
República e da Democracia, um conceituado advogado:
- A rigor, se ficar comprovado o ato de corrupção, há várias implicações penais. Configura, inclusive, o crime de responsabilidade por parte do presidente, o que o sujeita a impeachment.
Fábio Konder Comparato acrescenta, a respeito de Lula:
- Ele, de qualquer maneira, estava ciente e mandou prosseguir, ou ficou ciente e, como diz Jefferson, mandou frear a coisa, mas não tomou providências para apurar responsabilidades.
O PPS (Partido Popular Socialista) inicia processo de coleta de assinaturas para criar a CPI do Mensalão. Em decorrência da crise, o apadrinhado de Roberto Jefferson na presidência da Eletrobrás, Roberto Salmeron, demite-se do cargo. Outra consequência do escândalo: o assessor dos Correios, Fernando Godoy, já afastado, é indiciado pela Polícia Federal.
Enquanto isso, aparentemente alheio à gravidade dos fatos, o PT trata de emitir nota em que nega a existência do mensalão. E seu presidente, José Genoino, manifesta-se mais uma vez contrário à CPI dos Correios. A essa altura, a comissão já é fato consumado. O PT sabe disso e toma providências para blindar o tesoureiro Delúbio Soares. Proíbe-o de dar entrevistas e o isola na sede do partido, em São Paulo. O tesoureiro só sai de lá à noite, apressado.
O carro dele é escoltado por duas motocicletas.
Apreciador de charutos cubanos, Delúbio Soares usa carro blindado, tem intimidade com Lula e o comando do PT. Em 2004, contudo, foi denunciado por comprar propriedade rural em Goiás com dinheiro vivo. No mesmo ano pediu que o Banco do Brasil comprasse 70 ingressos por R$ 1.000 cada um, para um show musical. Detalhe: a arrecadação serviria para comprar uma nova sede para o PT. Denunciada, a operação foi desfeita.
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7/6/2005 Acuado, Lula determina a demissão de diretores do IRB, dos Correios e solicita ao PT o afastamento do tesoureiro Delúbio Soares. Contrariado, José Genoino trata de defender o que chama de “patrimônio ético” do partido. E diz que o assunto mensalão jamais circulou na legenda:
- O que aconteceu com o Delúbio? Uma denúncia falsa e mentirosa.
O secretário-geral do partido, Silvio Pereira, o “Silvinho”, descarta investigação sobre as atividades de Delúbio Soares:
- Não há necessidade. Não há nada contra ele.
No mesmo tom, Paulo Ferreira, secretário de Relações Internacionais do PT:
- Delúbio é quadro de confiança e seu afastamento não está em pauta.
O tesoureiro permanece recluso, protegido da imprensa. No final do dia, deixa a sede do PT apressado, mais uma vez. Agora, abaixado no banco de trás de um carro, com vidros escuros. Outro veículo, para despistar, deixara o local pouco antes, pretendendo confundir os jornalistas. Coisa de máfia.
Declaração da senadora Heloísa Helena (PSOL-AL). A ex-petista diz que o governo Lula entregou a máquina pública “para ser parasitada por delinquentes de luxo”:
- Tenho absoluta convicção de que ninguém da cúpula palaciana do PT age isoladamente montagem dos crimes contra a administração pública. Se Delúbio, Waldomiro e outros, entre aspas, quadros partidários agiam, é porque havia autorização e leniência do presidente Lula. Pelo que eu conheço do PT, não existe atuação individual.
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8/6/2005 O tesoureiro Delúbio Soares, com um broche do PT no peito, concede entrevista.
Fala a um batalhão de jornalistas. Não convence. Apesar de orientado por advogados e pela cúpula do PT, Delúbio está nervoso, usa frases de efeito, evasivas, e não responde a parte das perguntas. Diz Delúbio:
- Nós não aceitamos chantagem. Não me prejulguem pela versão de uma chantagem porque o Brasil é maior do que essas acusações. Estou muito indignado. Estão tentando chantagear não só o PT, mas também o governo e também o Congresso. O PT não se rende e não se vende.
Perguntado sobre suas idas ao Palácio do Planalto, sede do Governo Federal, apesar de ão ter cargo público, o tesoureiro diz:
- Lá estive várias vezes, para tratar dos assuntos de interesse do PT. É isso que aconteceu.
A respeito da entrega de dinheiro a partidos da base aliada:
- O PT participou, no ano passado, de campanha eleitoral. Os acordos eleitorais foram tratados entre os partidos. O PT e os partidos da base aliada fizeram acordos que foram traduzidos em apoio aos candidatos nos municípios. Isso foi feito em comum acordo entre os partidos.
Delúbio Soares responde acerca da ligação com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto (SP), cujo partido foi citado por Roberto Jefferson como um dos beneficiários do mensalão:
- Não tenho nenhuma restrição, o presidente do PL tem sido uma pessoa correta. Não tenho nenhum problema de encontrar o presidente do PL, seja na minha casa, seja no escritório do PT, seja na sede do PT ou em Mogi das Cruzes, onde fui visitá-lo, em apoio ao candidato do PL naquela cidade.
A Polícia Federal investiga denúncias de extorsão praticadas por Maurício Marinho nos Correios. Um dos dez empresários que prestaram depoimento, Haroldo Cláudio, dono de uma empresa de calçados, disse que recebeu proposta para pagar R$ 350 mil de propina. Se desse o dinheiro, ganharia licitações na estatal. Segundo o empresário, Maurício Marinho disse que os valores iriam para o PTB.
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9/6/2005 O Congresso instala a CPI dos Correios. O deputado Sandro Mabel (PL-GO) nega ter proposto à deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) que deixasse a oposição e ingressasse na base aliada do governo, em troca de mesada de R$ 30 mil e bônus de R$ 1 milhão.
Sandro Mabel admite ter conversado com Raquel Teixeira, mas nega que ofereceu dinheiro.
E envolve o vice-presidente da República, José Alencar (PL-MG):
- A deputada uma vez me procurou e disse: “Sandro, estou querendo ter mais espaço”.
Até havia uma assessora dela. Eu falei: “Raquel, o PL está sempre de portas abertas”. José Alencar já tinha falado isso para ela. Estamos precisando de mulher. Agora, financeiro?
Recusamos 15 parlamentares em um ano, vamos dar recursos financeiros para quê? Em primeiro lugar, não temos nem recursos.
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10/6/2005 A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) divulga nota oficial para explicar que o recém-afastado presidente dos Correios, João Henrique Souza Almeida, integrante da cota do PMDB no governo Lula, vai ser intimado a depor e poderá responder a processo por prevaricação e improbidade administrativa. Motivo: antes do escândalo nos Correios vir a público, João Henrique Almeida recebeu prazo para afastar Maurício Marinho da estatal e relatar à Polícia Federal atividades supostamente ilícitas do funcionário. Não o fez. A Abin esclarece que havia infiltrado agentes entre empresários descontentes, porque recebeu informações sobre a ocorrência de fraudes em licitações nos Correios.
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11/6/2005 Nova gravação clandestina com diálogos mantidos por Maurício Marinho chega à imprensa. Desta vez, é divulgada na Folha de S.Paulo. Investigações sugerem disputas comerciais como causa das escutas. As conversas revelam tentativas de extorquir empresários que desejavam firmar contratos para fornecer bens e serviços aos Correios.
A fita segue o mesmo padrão da anterior. Marinho recebeu em sua sala interlocutores supostamente ligados a empresários, interessados em negócios com os Correios. Sem saber que estava sendo gravado, uma vez mais mencionou seus contatos com o deputado Roberto Jefferson e com Marcus Vinícius Vasconcelos Ferreira, o genro de Jefferson e assessor da diretoria da Eletronuclear. Trecho do diálogo, que começa com o interlocutor:
- Eles querem garantir a condição deles dentro dos Correios. É mais do que importante, é vital até, para essa empresa. E queriam saber daí de você, de mim, me disseram, “olha, Joel, vê se é ele mesmo a pessoa”.
- Nós estamos conversando aqui. Eu vou sair daqui ainda hoje e vou direto para o diretor, tá?
- O que eu precisava saber de você... Mas isso bem exato e prático. Quais seriam os valores, incluindo a diretoria. Porque aí eu acerto com você as coisas, e você faz essa distribuição.
- Normalmente é feito isso, todo negócio é acertado... Tem algo que sobe, né?, e um “x” que fica embaixo. Isso é acertado assim.
- Sim, mas você me deixa numa condição meio tranquila, porque efetivamente você tem essa condição de negociação.
- Tenho. O que for acertado... O que for fechado é o que sobe.
Para ficar claro: o que “sobe” é a propina endereçada ao diretor dos Correios que autoriza o contrato. O que fica “embaixo” é a comissão para Maurício Marinho, por ter encaminhado o negócio.
“O PT assombra o Planalto”, diz o título de reportagem de Veja. A revista afirma que o mensalão, no valor de R$ 30 mil, é pago “para um plantel estimado de uns 90 deputados, o que daria cerca de R$ 2,7 milhões mensais”. Informa ter conversado com três ministros, cinco deputados e um senador, e que “todos confirmaram, com a condição de não ter a identidade revelada, a existência do mensalão”. Afirma que os nove políticos pertencem ao PT, PMDB, PSB, PP e PFL. “Esses políticos contam que Delúbio desembarcava em Brasília com o dinheiro e se dirigia à residência dos líderes e presidentes de partidos para fazer a distribuição”.
A revista Veja publica declaração de um deputado petista que pede para não ser identificado.
Segundo ele, o PT despreza o Congresso:
- O PT acredita que é um poder burguês. Por isso, acha que lá só tem corrupto e que o jeito mais fácil de controlá-lo é com dinheiro.
O jornal O Estado de S. Paulo denuncia: Delúbio Soares, o tesoureiro do PT, é funcionário fantasma. Professor de matemática da Secretaria de Educação de Goiás, recebe salário mas não vai trabalhar. Está licenciado, com remuneração mensal de R$ 1.242,56, para prestar serviços ao sindicato da categoria, em Goiânia. Mas há cinco anos Delúbio responde pelas finanças do PT e vive no eixo São Paulo-Brasília, bem distante de Goiás. Antes disso, foi secretário sindical do PT por cinco anos, e tampouco prestou serviços ao sindicato.
Delúbio costuma se apresentar, falsamente, como professor aposentado.
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12/6/2005 Nova entrevista do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) à repórter Renata Lo Prete, da Folha de S.Paulo. Traz denúncias contra o governo Lula, auxiliares do presidente, integrantes da base aliada no Congresso, representantes do PT. E introduz um novo personagem à opinião pública: o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. Roberto Jefferson explica a origem do dinheiro do mensalão:
- Vem de operações com empresas do governo e com empresas privadas.
- Que operações?
- Transferência de dinheiro à vista. Esse dinheiro chega a Brasília, pelo que sei, em malas. Tem um grande operador que trabalha junto do Delúbio, chamado Marcos Valério, que é um publicitário de Belo Horizonte. É ele quem faz a distribuição de recursos. Sei que o deputado José Janene é um dos operadores. Ele vai na fonte, pega, vem, é tido como um dos operadores do mensalão. Inclusive eu já vi o ministro Zé Dirceu muito irritado com ele porque ele se apresentava como “operador do Zé Dirceu”. Ele também é um dos homens que constroem o caixa para repartição entre deputados do PP e do PL.

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