O Natal de antigamente: velho e sempre novo
20/12/2011 14:37, Por
Leonardo Boff
Venho de lá de trás, dos anos 40 do século passado, num
tempo em que Papai Noel ainda não havia chegado de trenó.
Nas nossas colônias italianas, alemães e polonesas,
desbravadoras da região de Concórdia (SC), conhecida por ser a sede da Sadia e
da Seara, com seus excelentes produtos de carne, só se conhecia o Menino Jesus.
Eram tempos de fé ingênua e profunda que informava todos os detalhes da vida.
Para nós crianças, o Natal era culminância do ano, preparado e ansiado. Finalmente
vinha o Menino Jesus com sua mulinha (musetta em italiano) para nos trazer
presentes.
A região era de pinheirais a perder de vista e era fácil
encontrar um belo pinheirinho. Este era enfeitado com os materiais rudimentares
daquela região ainda em construção. Utilizavam-se papel colorido, celofane e
pinturas que nós mesmos fazíamos na escola. A mãe fazia pão de mel com
distintas figuras, humanas e de bichinhos, que eram dependuradas nos galhos do
pinheirinho. No topo havia sempre uma estrela grande revestida de papéis
vermelhos.
Em baixo, ao redor do pinheirinho, montávamos o presépio,
feito de recortes de papel que vinham numa revista que meu pai, mestre-escola,
assinava. Ai estava o Bom José, Maria, toda devota, os reis magos, os pastores,
as ovelhinhas, o boi e o asno, alguns cachorros, os Anjos cantores que
dependurávamos nos galhos de baixo. E naturalmente, no centro, o Menino Jesus,
que, vendo-o quase nu, imaginávamos, tiritando de frio, e nos enchíamos de
compaixão.
Vivíamos o tempo glorioso do mito. O mito traduz melhor a
verdade que a pura e simples descrição histórica. Como falar de um Deus que se
fez criança, do mistério do ser humano, de sua salvação, do bem e do mal senão
contando histórias, projetando mitos que nos revelam o sentido profundo dos
eventos? Os relatos do nascimento de Jesus contidos nos evangelhos, contem
elementos históricos, mas para enfatizar seu significado religioso, vêm
revestidos de linguagem mitológica e simbólica. Para nós crianças tudo isso
eram verdades que assumíamos com entusiasmo.
Mesmo antes de se introduzir o décimo terceiro salário, os
professores ganhavam um provento extra de Natal. Meu pai gastava todo este
dinheiro para comprar presentes aos 11 filhos. E eram presentes que vinham de
longe e todos instrutivos: baralho com os nomes dos principais músicos, dos
pintores célebres cujos nomes custávamos de pronunciar e riamos de suas barbas
ou de seu nariz ou de qualquer outra singularidade. Um presente fez fortuna:
uma caixa com materiais para construir uma casa ou um castelo. Nós, os mais
velhos, começamos a participar da modernidade: ganhávamos um jipe ou um
carrinho que se moviam dando corda, ou uma roda que girando lançava faíscas e
outros semelhantes.
Para não haver brigas de baixo de cada presente vinha o nome
do filho e da filha. E depois, começavam as negociações e as trocas. A prova
infalível de que o Menino Jesus de fato passou lá em casa era o desaparecimento
dos feixes de grama fresca. Corríamos para verificá-lo. E de fato, a musetta
havia comido tudo.
Hoje vivemos os tempos da razão e da desmitologização. Mas
isso vale somente para nós adultos. As crianças, mesmo com o Papa Noel e não
mais com o Menino Jesus, vivem o mundo encantando do sonho. O bom velhinho traz
presentes e dá bons conselhos. Como tenho barba branca, não há criança que
passe por mim que não me chame de Papai Noel. Explico-lhes que sou apenas o
irmão do Papai Noel que vem para observar se as crianças fazem tudo direitinho.
Depois conto tudo ao Papai Noel para ganharem um bom presente. Mesmo assim
muitos duvidam. Se aproximam; apalpam minha barba e dizem: de fato o Sr. é o
Papa Noel mesmo. Sou uma pessoa como qualquer outra, mas o mito me faz ser
Papai Noel de verdade.
Se nós adultos, filhos da crítica e desmitologização, não
conseguimos mais nos encantar, permitamos que nossos filhos e filhas se
encantem e gozem o reino mágico da fantasia. Sua existência será repleta se
sentido e de alegria. O que queremos mais para o Natal senão esses dons
preciosos que Jesus quis também trazer a este mundo?
Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor
Fonte: http://correiodobrasil.com.br/o-natal-de-antigamente-velho-e-sempre-novo/345005/
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